Artigo por Malu Ribeiro*, originalmente publicado no UOL: Passados 21 anos do Projeto de Despoluição do Tietê, o maior rio paulista continua “morto” em um trecho de 71 quilômetros entre os municípios de Guarulhos e Pirapora do Bom Jesus, na região metropolitana de São Paulo. Nesse trecho, no qual recebe toneladas de esgotos domésticos e industriais sem tratamento e efluentes tratados, além de muito lixo, os índices de qualidade da água ainda variam de ruim a péssimo. E quem olha para o rio da Ponte das Bandeiras, na Marginal do Tietê, na capital, tem a sensação de que a recuperação da sua qualidade ainda é um sonho distante.
A boa notícia, com base nos dados do relatório parcial da qualidade da água que a Fundação SOS Mata Atlântica produz anualmente para acompanhar a evolução dos indicadores do Projeto Tietê, é que essa imensa carga de poluição produzida na região metropolitana tem recuado, na medida em que aumenta o volume de esgotos tratados na bacia do Alto Tietê.
No início das obras do projeto de despoluição, em 1993, o rio estava morto, ou seja, praticamente sem oxigênio dissolvido na água, e fétido em 530 quilômetros, de Mogi das Cruzes até o reservatório de Barra Bonita. No fim de 2010, ao término da segunda etapa do Projeto Tietê, o trecho de rio morto compreendia uma extensão de 243 quilômetros, de Suzano até Porto Feliz. Com a evolução dos índices de coleta e tratamento de esgotos, a mancha atual, entre Guarulhos (132 km da nascente) e Pirapora do Bom Jesus (203 km da nascente), reduziu 70,7% em relação a 2010.
Mesmo assim, se continuarmos nesse ritmo, sem descontinuidade decorrente de sucessões politico-administrativas, serão necessários mais 21 anos de investimentos e esforços para que o rio possa ser considerado recuperado no trecho da região metropolitana e que não perca qualidade ao longo de sua extensão de 1.100 km da nascente, em Salesópolis, até a foz em Itapura.
O problema é que a cada década os desafios para despoluição mudam em função das dinâmicas sociais, econômicas e dos usos dos solos nas bacias hidrográficas. Somam-se ainda a esses desafios os impactos das mudanças do clima que ainda são timidamente considerados.
Os rios das bacias do Tietê são sazonais e a qualidade de suas águas são impactadas de forma diferente em cada região que atravessa nos períodos de seca e de chuvas intensas. Nesta seca drástica, o trecho de 38 quilômetros entre o município de Guarulhos, passando pelas Marginais na capital até a divisa com o município de Osasco, foi o mais prejudicado. A baixa vazão do Tietê dificulta a diluição dos efluentes e agrava a poluição, afetando as populações, sobretudo com a emissão de gás sulfídrico e com o odor. Já no Sistema Alto Tietê, a qualidade da água melhorou, saindo de regular para boa em dois pontos, por conta da existência de Unidades de Conservação e áreas protegidas, em Salesópolis e Biritiba-Mirim. Nesses trechos da região de cabeceira, o rio Tietê socorreu São Paulo com o fornecimento de água captada em três pontos: Salesópolis, Biritiba-Mirim e Mogi das Cruzes.
A crise da água na região Sudeste faz um alerta para a necessidade de promovermos a recuperação de rios como o Tietê para usos múltiplos da água. Mas, para que isso ocorra, é preciso manter a sociedade engajada e fazer pressão para elevar os índices de saneamento, adotar novas tecnologias, aprimorar a legislação que trata da qualidade das águas, da conservação de áreas verdes urbanas e das florestas e retomar efetivamente a fiscalização e o controle de emissão de poluentes.
Os indicadores apurados confirmam que os investimentos em saneamento básico possibilitaram que 18 pontos de coleta distribuídos em córregos e pequenos rios da Capital deixassem uma condição péssima – de rios completamente mortos – para índices ruins, regulares e bons. Em toda a bacia, a ampliação da rede de coleta e do volume de esgoto tratados têm resultado na melhoria da qualidade da água. No total, os pontos de coleta com índices de qualidade péssima caíram de 7 para 3. Já o aumento de 3 para 10 pontos com qualidade de água boa reforçam a importância do envolvimento das comunidades locais com as ações de conservação dos rios e nascentes e com a existência de áreas protegidas ou áreas verdes.
Esse retrato apontado no relatório é resultado do monitoramento da qualidade da água dos rios das bacias hidrográficas do Alto e Médio Tietê, que abrangem 68 municípios paulistas, num trecho de 576 quilômetros, entre Salesópolis e Barra Bonita. No total, 82 pontos foram analisados entre setembro de 2013 a setembro de 2014. O monitoramento é realizado mensalmente por grupos de voluntários.
Após 23 anos de luta da sociedade, deflagrada em 1991 com o início da campanha para despoluição do rio, o Projeto Tietê tem como nova meta a universalização do saneamento em São Paulo, entre os anos de 2018 e 2020, com a recuperação dos rios. Porém, o ritmo atual indica que teremos em 2020 ainda muitos desafios para que os rios urbanos possam ser utilizados, especialmente no trecho que atravessa a Capital. A baixa disponibilidade de água e a sazonalidade dos rios na bacia hidrográfica do Alto Tietê deixam evidente a necessidade de aprimoramento na legislação que trata do enquadramento dos rios e dos parâmetros de lançamento de efluentes.
Por isso, a SOS Mata Atlântica defende a extinção da classe 4 de rios na Resolução Conama 357, que atualmente permite a figura do rio morto, destinado à diluição de efluentes, geração de energia e transporte. A alteração na legislação é um passo decisivo para que rios importantes, como o Tietê, voltem a ser usados para outros fins, em especial o abastecimento público.
*Malu Ribeiro é coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica.