*Por Malu Ribeiro e Mario Mantovani
O novo
Código Florestal continua alvo de flexibilizações no Congresso Nacional, com parlamentares da base governista trabalhando para alterar a Lei 12.651. Aprovada em 2012, a sua regulamentação ainda não foi totalmente concluída pelos estados. E a sua implementação anda a passos lentos. Portanto, as propostas para alteração da lei ocorrem antes mesmo de sabermos os resultados da sua implementação no campo e nas cidades.
Ao menos quatro projetos de lei pretendem alterar as regras das
APPs (Áreas de Preservação Permanente) urbanas.
Não custa recordar que as APPs são áreas de alta fragilidade ambiental e de grande importância ecológica. Por isto, recebem este nome e precisam estar permanentemente protegidas pela vegetação nativa.
Entornos de nascentes, beiras de rio, várzeas e áreas declivosas são os seus principais exemplos. Elas protegem a água e o solo, além de ter um papel importante para conectar ecossistemas e conservar a biodiversidade. Garantem a oferta de água, evitam a contaminação dos rios e protegem os morros de desmoronamentos. Além disso, todas essas APPs, quando desprotegidas e utilizadas de forma irregular em regiões urbanas, transformam-se em áreas de risco.
Os
projetos de lei (PL) 2800/15, 1709/19, 1709/19 e 4472/19 propõem a diminuição da proteção das APPs urbanas, seja permitindo imóveis nestas áreas, reduzindo a sua faixa de abrangência nas cidades ou transferindo esta decisão para os Planos Diretores das Cidades. Apesar de relatórios contrários a essas mudanças e de notas técnicas levadas às Comissões permanentes da Câmara dos Deputados, seus proponentes insistem na tramitação dos projetos de lei.
Estas discussões acontecem enquanto ainda enfrentamos a pandemia da Covid-19, nossa democracia sofre ataques, nossas florestas queimam ou são derrubadas e o mundo sente cada vez mais os efeitos das mudanças climáticas.
O
relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) publicado no início de agosto
foi categórico em afirmar o aquecimento global como um fenômeno presente e uma consequência da atividade humana. O planeta já aqueceu 1°C desde o início da era industrial. O clima muda rapidamente e o planeta aquecerá ainda mais. Alcançarmos somente 1,5° de aquecimento ainda é possível, mas exige ações imediatas para evitar os cenários mais catastróficos.
O IPCC deixou muito claro que os eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes e mais intensos. Isto é, teremos secas cada vez mais prolongadas e ondas de calor, assim como grandes tempestades, enchentes e inundações.
Assim, além de mitigar as mudanças climáticas, temos que nos adaptar a um planeta com um clima mais imprevisível e mais intenso. Fenômenos como a tragédia de Petrópolis de 2011 e as enchentes da Europa deste ano serão cada vez mais comuns e mais violentos.
No Brasil,
em eventos climáticos que levaram a enchentes e deslizamentos de terra, as áreas mais atingidas e com maiores prejuízos foram as de APPs com ocupação humana, sejam em morros ou beiras de rios.
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Foto: Maria Alice Figueira Campos
E é exatamente este o papel das APPs urbanas, que alguns dos nossos deputados pretendem extinguir ou diminuir para “regularizar” e anistiar o uso inadequado desses espaços de sua função ambiental estratégica.
Suas propostas estão na contramão da ciência e das necessidades de um planeta em transformação. A redução das APPs ameaça a segurança e a vida nas cidades, os negócios e pode causar enormes prejuízos para os cofres públicos, como acontece todo ano em metrópoles como Salvador, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.