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26 de January de 2016
As pessoas já não lamentavam o que haviam perdido e agradeciam por estarem vivas, mas se queixavam da falta de informação, da impunidade e do desrespeito. O sentimento mais recorrente nas diversas comunidades que percorremos era de descrença nas autoridades e de indignação. As pessoas queriam respostas objetivas e não confiavam que a água que estava sendo fornecida nas torneiras das casas, ou em caminhões pipa, podia ser consumida. Ouvimos muitos relatos sobre problemas de saúde, de pessoas que tiveram diarreias, irritações na pele e náuseas em decorrência do uso da água. Nossa equipe e outros pesquisadores que atuavam na região também sentiram os mesmos sintomas, pois, apesar de consumirmos água mineral, os alimentos e a higiene pessoal eram feitos com a água disponibilizada pelos serviços municipais e pela Samarco.Uma enorme frota de caminhões pipa percorria a região, desde Paracatu de Baixo, Acaiaca e Barra Longa até os municípios do Espírito Santo, afetados pela lama. Na região do encontro dos rios Carmo e Gualaxo do Norte, onde se forma o rio Doce, montanhas de troncos de árvores, toras de madeira e entulhos estavam sendo retirados das margens do rio. A forte corredeira de lama e os destroços impediam o uso do caiaque especialmente equipado com sondas e equipamentos que levamos para as análises da água. Fizemos as coletas de lama e o monitoramento da água das margens dos rios e de pontes, em um total de 29 pontos. As fortes chuvas que atingiam a região e o risco de novo rompimento de barragens fizeram com que fossem abertas as comportas da Usina Candonga (UHE Risoleta Neves), que conteve a primeira onda de lama, formando uma enorme cachoeira de cor vermelha e densa. Acompanhamos essa onda de lama até a foz do rio Doce, em Regência (ES). Acreditávamos que a turbidez e a concentração de metais pesados encontrados nas amostras de água fossem diminuindo após o rio serpentear a região do Parque Estadual do Rio Doce, até o município de Ipatinga. Porém, a condição de rio morto, com qualidade de água péssima, lameado e com concentrações elevadas de metais pesados não mudou. A força da correnteza de lama diminuiu na região de Belo Oriente e Bugre, assim pudemos finalmente navegar no rio Doce. Fizemos a primeira travessia de balsa entre os distritos de Cachoeira Escura e São Lourenço, por um enorme rio “cor de fanta laranja”, segundo as crianças que atravessaram conosco. Nesse trecho, a profundidade no corpo central do rio era de apenas 1.40 metros. Os balseiros contaram que viram descer junto com a lama, por dois dias seguidos, muitos animais mortos, peixes enormes que nunca haviam visto e que ficaram sem água e sem acesso, ilhados em suas vilas. Não houve aviso para que essas comunidades se preparassem para o impacto que estavam por receber. A onda de lama atingiu a região três dias após o rompimento da barragem de Fundão e as balsas e o fornecimento de água foram interrompidos. As cidades maiores buscaram outras alternativas de captação de água e infelizmente continuaram a lançar esgoto sem tratamento no rio agonizante. Apesar da turbidez elevada, com índices até 5 mil vezes acima do que estabelece a legislação, e da concentração de metais pesados provenientes dos rejeitos de minério, constatamos contaminação por esgoto doméstico e por defensivos agrícolas em todo o trecho do médio rio Doce até a foz. O dano ambiental, social e econômico decorrente do rompimento da barragem de Fundão certamente demandará esforços e empenho de todos em ações de recuperação, monitoramento e mitigação e, sobretudo, na aplicação efetiva da legislação. Essa gravíssima tragédia poderia ter sido evitada se os órgãos ambientais e de fiscalização estivessem aparelhados e atuassem de forma integrada, independente e efetiva, sem ingerência política e econômica, com agilidade e transparência. Essa tragédia anunciada precisa servir de alerta para que a sociedade não permita o desmonte do Sistema de Meio Ambiente, a flexibilização das leis, como o Código de Mineração e o Licenciamento Ambiental brasileiro, para beneficiar setores econômicos e interesses políticos.
O rio Doce nos deixará um legado importantíssimo: o da cooperação e da ação autônoma e independente da sociedade. De instituições como o Ministério Público na apuração de responsabilidades; da sociedade civil e da comunidade científica na produção de informação, laudos técnicos e estudos voltados à recuperação da bacia e, acima de tudo, na prevenção para que danos como esse não se repitam.*Malu Ribeiro é coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades. Saiba como apoiar as ações da Fundação em www.sosma.org.br/apoie.