Lições de governança da Mata Atlântica para a preservação da Amazônia
08 de December de 2022
Luís Fernando Guedes Pinto
Fundação SOS Mata Atlântica
Rodovia Marechal Rondon, km 118,30. 13.300-000 - Itu (SP), Brasil
Joice Ferreira
Embrapa Amazônia Oriental
Travessa Dr Eneas Pinheiro Marco C.P 48 - 66095-903 Belém, Pará. Brasil
Erika Berenguer
Instituto de Mudança Ambiental, Universidade de Oxford
South Parks Road Oxford OX1 3QY, Oxford, Inglaterra
Marcos Rosa
Programa de Pós-graduação em Modelagem em Ciências da Terra e do Ambiente (PPGM), Universidade Estadual de Feira de Santana
Feira de Santana 44036-900, BA, Brasil
Lições de governança da Mata Atlântica para a preservação da Amazônia
Mais de 12% das bacias hidrográficas da Amazônia brasileira têm uma cobertura florestal muito próxima ou abaixo do limiar crítico de 30%, sendo que um terço está abaixo de 80%.
A cobertura florestal de algumas regiões da Amazônia já está abaixo dos níveis encontrados na Mata Atlântica.
Para que o bioma não repita a mesma trajetória da Mata Atlântica, propomos extrair lições sobre as políticas que a norteiam, as quais precisam ser implementadas urgentemente para conter os avanços em direção ao ponto crítico, lidar com a emergência climática e garantir a oferta de serviços ecossistêmicos.
Resumo
As florestas brasileiras são essenciais para o clima, a água, a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. A Amazônia e a Mata Atlântica têm situações diferentes de conservação, mas ambas estão entre as florestas tropicais mais importantes do mundo. A primeira encontra-se abaixo do limiar mínimo que garante a conservação da sua biodiversidade, enquanto a Amazônia está se aproximando do limiar conhecido como dieback threshold, o qual sinaliza um risco de colapso de parte da floresta. Com o objetivo de aprender mais sobre as políticas públicas implementadas na Mata Atlântica que poderiam ajudar na conservação da Amazônia, primeiro foi analisada a cobertura florestal das bacias amazônicas, comparando-as à realidade da Mata Atlântica. Foi descoberto que, na Amazônia, existem regiões com cobertura florestal em níveis similares aos da Mata Atlântica, sendo que 34% já está abaixo do limite de colapso. Por este motivo, compartilhamos as lições aprendidas na Mata Atlântica e recomendamos a implementação urgente de políticas públicas preventivas na Amazônia para evitar que o bioma siga pelo mesmo caminho da Mata Atlântica.
Palavras-chave
Biodiversidade, Clima, Desmatamento, Serviços Ecossistêmicos, Política. Restauração
Introdução
O Brasil abriga a maior área de florestas tropicais do mundo (Turubanova et al., 2018). A proteção dela é fundamental para mitigar mudanças climáticas e preservar a biodiversidade e a água do planeta (Jung et al., 2018), o que coloca o país em uma posição de liderança ambiental global (Ferreira, et al., 2014). Apesar disso, o Brasil ostenta a maior perda de área florestal e tem os maiores níveis de emissão de carbono do planeta (Zomer et al., 2016, Harris et al., 2021).
A Mata Atlântica é o bioma mais devastado do país, conservando intactas apenas 29% da sua cobertura vegetal original (MapBiomas, 2021). Esse estado de ameaça se instalou já durante a ocupação do Brasil pelos europeus em 1500, e é resultado dos ciclos econômicos que o país vivencia desde então. Em 1980, a cobertura florestal original já se encontrava abaixo de 10% nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, devido aos altos níveis de desmatamento depois da década de 1950 (Fonseca, 1985). Apesar de haver grandes extensões de terra com fragmentos contínuos em regiões específicas, a maior parte está distribuída de forma desigual, ocupando áreas inferiores a 50 hectares em propriedades privadas (80%) - Ribeiro et al. (2009). Futuros desmatamentos representam um risco ainda maior para a Mata Atlântica em termos de sua fauna e flora, uma vez que eles já se encontram altamente ameaçados apesar de o bioma ser considerado um hotspot da biodiversidade (Myers et al., 2000). Sua restauração é uma prioridade para tornar possível a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas e garantir serviços ecossistêmicos, como água e produção de energia hidrelétrica, para 70% da população brasileira (Guedes Pinto e Voivodic, 2021).
Diferentemente do que acontece na Mata Atlântica, o desmatamento em larga escala da Amazônia teve início apenas nas últimas décadas, principalmente a partir de 1970. Devido à trajetória relativamente recente das mudanças de uso da terra, cerca de 80% da vegetação original da região permanece intacta na forma de florestas contíguas (PRODES, 2021). O ano de 2021 foi marcado pelo maior nível de desmatamento da última década: mais de um milhão de hectares foram devastados (PRODES, 2021). O desmatamento generalizado e a devastação de florestas foram associados à perda da resiliência, o que aumenta o risco de um colapso com profundas consequências negativas para a biodiversidade, o armazenamento de carbono e as mudanças climáticas, em uma escala global (Boulton et al., 2022).
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Comparativo da cobertura florestal original e dos remanescentes em 2021 na Amazônia (78,7%) e na Mata Atlântica (24,3%).
Foram examinadas as políticas de conservação da Mata Atlântica e extraídas lições com vistas ao aprimoramento e elaboração de novas políticas de conservação para a Amazônia, com o objetivo de ajudar a conservar as florestas brasileiras. As lições trazem insights valiosos que fomentam a revisão e o fortalecimento das políticas que nortearão um novo ciclo de conservação na Mata Atlântica. Também foi realizada uma análise comparativa da cobertura florestal das bacias da Amazônia e da Mata Atlântica. A urgência climática exige que a cobertura florestal da Floresta Amazônica seja mantida acima do ponto de colapso, porém investigamos se algumas regiões do bioma já alcançaram os mesmos níveis críticos da Mata Atlântica.
Foi usada a coleção 6.0 do MapBiomas (Souza et al., 2020) para estimar a cobertura florestal de cada bacia da Amazônia, e monitoradas as bacias hidrográficas classificadas como nível 5 pela Agência Nacional de Águas (ANA). Foram separados quatro grupos de acordo com a cobertura florestal de cada um, com ênfase especial para as áreas com cobertura florestal de 30% (limite mínimo) e de 80%. Os limites foram estabelecidos para fins de comparação, sendo que o mais baixo é considerado o mínimo para habitats de floresta na Mata Atlântica (Banks-Leite et al., 2014) e o mais alto é considerado o limite de risco mais conservador para a bacia Amazônica (Nobre et al., 2016).
Descobrimos que, em 7,2% das bacias hidrográficas (514), ou 4,1% da área total do bioma, menos de 30% da cobertura vegetal original permanece intacta; e outros 5% (357), ou 3,7% da área total, já estão perto deste limite mínimo. As áreas com cobertura florestal abaixo deste limiar estão no Maranhão, sul do Pará, norte de Mato Grosso e em Rondônia, região conhecida como o “arco do desmatamento” (Figura 1). Surpreendentemente, esses números são muito parecidos com os de regiões da Mata Atlântica que há séculos sofrem forte ação antropogênica (Marques e Grelle, 2021). Além disso, 34% das bacias hidrográficas (2.398) da Amazônia têm menos de 80% da sua cobertura florestal original e estão se movendo na direção do limiar global do bioma. Além dos impactos globais que isso gera, também há impactos locais relacionados aos serviços ecossistêmicos. Isso já é sentido em regiões da Mata Atlântica com baixa cobertura florestal, onde existem problemas de abastecimento de água e um aumento do risco de um apagão (Getirana et al., 2021). O desmatamento também causa a perda de habitat e aumenta o número de espécies ameaçadas na Mata Atlântica (Marques e Grelle, 2021). As regiões do arco do desmatamento, como a região sudeste do Pará, já estão sofrendo mudanças no padrão de chuvas e períodos de seca, o que compromete os serviços relacionados ao sequestro de carbono. (Gatti et al., 2021, Leite-Filho et al., 2019).
Lições de governança
A Amazônia recebeu uma das iniciativas de maior sucesso para controlar a perda florestal nos trópicos, o que levou a uma redução de 80% nos níveis de desmatamento entre 2004 e 2012. Isso foi fruto de um plano integrado de políticas públicas federais – o PPCDAm, ou Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, além de ferramentas comerciais para controlar a expansão das commodities (Soares-Filho e Rajão, 2018). O plano foi abandonado pelas administrações federais anteriores, sendo que a atual administração têm enfraquecido as políticas ambientais e, como consequência, os níveis de desmatamento têm aumentado em ambos os biomas (MapBiomas, 2021). Porém, além de reativar os princípios do PPCDAm, também podemos aprender lições importantes sobre as políticas de governança que deram certo e assim construirmos um caminho que possibilite a conservação de longo prazo da Amazônia.
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Cobertura florestal na Amazônia em 2020.