Apoie nossas
causas
Se mantenha informado de nossas ações
06 de May de 2023
por Diego Igawa Martinez, biólogo e coordenador de Projetos da Fundação SOS Mata Atlântica publicado originalmente no Um Só Planeta, em 05/05/2023
O ano de 2023 começou intenso, com acontecimentos marcantes no campo da política, economia e crises socioambientais que mobilizaram o noticiário e a opinião pública brasileira, como as operações para defesa do território e saúde do povo yanomami ou o desastre das chuvas e deslizamentos no litoral norte paulista.
Outro assunto menos comentado, mas que deve impactar fortemente o meio ambiente e a vida das pessoas, foi a adoção do novo marco global para a biodiversidade por representantes de 188 países, incluindo o Brasil, que estiveram reunidos durante a 15ª Conferências das Partes (COP15) sobre a Convenção da Diversidade Biológica da ONU, finalizada em dezembro.
O acordo histórico traz quatro objetivos básicos e 23 metas que devem ser perseguidas por governos e outros atores da sociedade até o ano de 2030. Ainda estamos no começo da década, mas com muita lição de casa para fazer, especialmente no bioma da Mata Atlântica.
Uma das metas do acordo é assegurar que até 2030 pelo menos 30% das áreas degradadas do planeta estejam em processo de restauração ecossistêmica. Nesse mesmo período acontece a década da restauração dos ecossistemas declarada pela ONU e, durante a COP15, a Mata Atlântica foi anunciada como um ecossistema-bandeira para a restauração.
Considerando que a cobertura florestal na Mata Atlântica brasileira é hoje apenas cerca de 24% da floresta original, ainda há a necessidade de aumentar a escala dos projetos de restauração e trazer mais parceiros para essa agenda. Segundo artigo recente publicado na revista Nature, a Mata Atlântica é uma das áreas que mais pode trazer ganhos para o mundo com a restauração ecossistêmica em termos de diminuição da extinção de espécies e aumento do sequestro de carbono da atmosfera.
Outra importante meta do acordo é estabelecer que até 2030 pelo menos 30% das áreas terrestres e marinhas sejam conservadas por meio de sistemas eficazes e representativos de áreas protegidas. No Brasil, o conceito de Unidades de Conservação responde por boa parte dessas áreas protegidas e há um enorme desafio para alcançar a meta de conservação representativa na Mata Atlântica.
Segundo dados do Cadastro Nacional, mantido pelo Ministério do Meio Ambiente, apenas 10,3% do território da Mata Atlântica é coberto por essas Unidades de Conservação. Se forem consideradas apenas as áreas de proteção integral, esse número cai para 2%. Apesar de se saber que o cadastro possui limitações para contabilizar corretamente as áreas de determinadas esferas e as reservas privadas, ainda assim seria necessário aumentar muito a área protegida no bioma para garantir a conservação dos remanescentes florestais.
Outro problema é o fato de as Unidades de Conservação na Mata Atlântica estarem mal distribuídas e alguns ecossistemas e fisionomias ainda serem mal representados nesse sistema de áreas protegidas, especialmente nas regiões Nordeste, nas áreas interiores em contato com o Cerrado e no interior da região Sul. Arranjos de cooperação entre diferentes níveis de governo podem auxiliar a equilibrar essa conta, uma vez que experiências exitosas já existem, a exemplo de programas de incentivo e capacitação entre Estado e municípios no Rio de Janeiro ou o estabelecimento de áreas protegidas em consórcios intermunicipais, como já visto em estados do Sul.
Um avanço do novo marco global foi reconhecer e enfatizar os direitos de povos indígenas e comunidades locais sobre seus territórios tradicionais. Esses direitos devem ser respeitados e considerados em todos os processos de conservação e de repartição dos benefícios decorrentes do uso da biodiversidade. Além disso, é importante considerar que cerca de 30% das Terras Indígenas demarcadas no Brasil estão na Mata Atlântica, segundo dados do Instituto Socioambiental, e um artigo científico recente demonstrou que a cada ano após a demarcação de uma Terra Indígena na Mata Atlântica, há um aumento de 0,77% na cobertura florestal da área quando comparado com terras não regularizadas, o que reforça a necessidade de se acelerar a resolução das questões fundiárias para esses guardiões da floresta.
Já fora dessas áreas protegidas, o novo marco global faz um chamado para o manejo sustentável de áreas produtivas. Uma das metas do acordo diz respeito ao uso sustentável das áreas agrícolas e o emprego de boas práticas no campo. A Mata Atlântica produz metade dos alimentos consumidos no Brasil, possui um papel fundamental na segurança alimentar e já produz emitindo menos: apenas 26% das emissões de gases do efeito estufa do setor agropecuário são decorrentes da produção no bioma.
Para a implementação de todas essas metas, investimentos e parcerias serão necessárias. Cerca de 80% do PIB Brasileiro está concentrado na Mata Atlântica, mas ainda assim, apenas como exemplo, o déficit de investimentos para a cobertura de custos básicos do manejo de áreas protegidas da Mata Atlântica chega a mais de 20 milhões de dólares ao ano.
Segundo o relatório do Benchmark do Investimento Social Corporativo, o tema meio ambiente e clima recebe atenção de menos de 0,5% das empresas e organizações dessa rede de investidores sociais. Por outro lado, iniciativas da Fundação SOS Mata Atlântica já demonstraram como é possível mobilizar parceiros para direcionar recursos privados para fins públicos de conservação, permitindo que áreas protegidas sejam mais efetivas no atingimento de seus objetivos.
Até 2030 teremos mais sete anos, o que não é muito tempo do ponto de vista da implementação de políticas públicas. Zerar o desmatamento, frear a trajetória das mudanças climáticas e da extinção de espécies e salvar a biodiversidade são tarefas que precisam ser enfrentadas por toda a sociedade, cobrando o engajamento tanto do setor público quanto privado. O Brasil possui um papel central nessa agenda internacional e uma responsabilidade do tamanho desse país.