Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo, em 21 de janeiro de 2022
Por Malu Ribeiro* e Luis Fernando Guedes Pinto**
Fortes chuvas são um fenômeno natural nesta época do ano na região da Mata Atlântica, onde vive a maior parte da nossa população. Já as enchentes, mortes e prejuízos não podem se tornar comuns, embora seja tragédias já anunciadas. Elas são resultados do desmatamento e da ocupação desordenada do nosso país.
A destruição ambiental gera um efeito bumerangue, que costuma afetar mais fortemente as populações mais pobres e vulneráveis. Isso tem se tornado mais intenso e frequente e será ainda mais grave devido às mudanças climáticas. Se a questão climática já vinha sendo compreendida, 2021 foi fundamental para entendermos a urgência de ação imediata, 2022 é o ano para colocar a mão na massa, com ambição, planos e ações concretas voltadas à proteção do meio ambiente.
Recordando que muitos países, governos estaduais, municípios e empresas firmaram compromissos com a agenda climática para alcançar a neutralidade das emissões de gases de efeito estufa, no máximo, até 2050. Mas as metas somente serão alcançadas se os trabalhos se iniciarem imediatamente, independente de eleições, Copa do Mundo e pandemia. As promessas estabelecidas em 2021 não podem ser tratadas como aquelas de fim de ano, como fazer dietas, que não costumam durar até o carnaval. Elas vão de fato determinar o nosso futuro.
Cabe às empresas transformarem os seus compromissos voluntários em ações concretas de redução de emissões e compensações complementares, se necessário, nos seus negócios e nas suas cadeias produtivas de maneira transparente e com robustez para comprovar que estão de fato contribuindo para conter o desmatamento, recuperar florestas e rios e reduzir a pressão sobre os recursos naturais na direção de um planeta neutro. Há desconfiança de consumidores e investidores se estes compromissos empresariais de fato colaboram para o clima e, assim, sofrerão escrutínio cada vez maior da sociedade.
Há uma grande expectativa de que governos estaduais e municípios possam fazer a diferença localmente. Para isso, é essencial que os planos existentes, muitos deles apresentados na Conferência do Clima no Reino Unido, saiam das gavetas e sejam implementados, com a definição de metas de curto prazo, alocação de equipes e recursos. Um exemplo concreto disso são os Planos Municipais da Mata Atlântica e a implementação do Código Florestal com a recuperação das Áreas de Preservação Permanente urbanas e rurais.
Infelizmente, no plano federal, em um ano crucial para as próximas décadas, os esforços ainda serão para a contenção de dados e evitar mais retrocessos de um governo pilhados da natureza, negacionista da ciência e que despreza a saúde, as populações indígenas e tradicionais. Enquanto o Brasil assumiu o compromisso de acabar com o desmatamento e reduzir em 30% as emissões de metano até 2030 e a Europa, EUA e China deixaram claro que não vão comprar commodities com desmatamento em sua cadeia produtiva, no Congresso temos projetos de lei para flexibilizar o licenciamento ambiental, regularizar invasões de terra e permitir mineração em terras indígenas.
É bom lembrar que o Brasil é um país chave no tabuleiro do clima, com oportunidades raras para contribuir para a mitigação das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, atrair recursos para construir um novo ciclo de desenvolvimento inclusivo, que tenha a agenda ambiental como estratégia. A nossa janela vai até 2030, onde as soluções baseadas na natureza, como o fim do desmatamento e a restauração florestal, serão uma solução viável, efetiva e economicamente competitiva para a mitigação climática, coincidindo com a Década da Restauração de Ecossistemas da ONU.
Para isso, o fim do desmatamento e a restauração da Mata Atlântica são ações concretas que deve constar das plataformas para os nossos próximos governantes.
* Malu Ribeiro é diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica
** Luis Fernando Guedes Pinto é diretor de conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica