Apoie nossas
causas
Se mantenha informado de nossas ações
04 de December de 2024
Ação transversal e solução múltipla, recuperação de vegetação nativa é tema central da COP de Desertificação e deve ser encarada como prioridade número um da agenda global
Afra Balazina e Luís Fernando Guedes Pinto, para Um Só Planeta
Ao longo da história da Terra, a formação de desertos foi um processo natural ligado às dinâmicas climáticas e geológicas. No passado distante, períodos de clima árido foram comuns, especialmente em épocas de alta concentração de dióxido de carbono e fragmentação continental. Durante o final do período Jurássico e início do Cretáceo, há cerca de 140 milhões de anos, regiões que hoje correspondem ao interior do Brasil, como Araraquara e São Carlos, no estado de São Paulo, estavam cobertas por um vasto deserto de dunas que ficou conhecido como Botucatu. Estendendo-se por aproximadamente 1,6 milhão de quilômetros quadrados, foi um dos maiores já registrados na história geológica do planeta.
Os processos naturais que formaram esses desertos do passado têm como causas mudanças na circulação atmosférica e oceanográfica, movimentos tectônicos e alterações na vegetação. Mas a desertificação moderna, que ameaça o nosso futuro, é bem diferente: trata-se de um fenômeno intensificado pela ação humana. A expansão de atividades como monoculturas intensivas e o uso inadequado de recursos hídricos leva à perda de fertilidade do solo e à redução da vegetação nativa. Quando combinadas ao aumento das temperaturas e à redução das chuvas em regiões áridas, a desertificação avança rapidamente.
Em 2011, a ONU apontou que 25% do solo terrestre já estava degradado. Atualmente, segundo a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, 100 milhões de hectares de terra saudável são perdidos todos os anos – o equivalente a quatro campos de futebol de vegetação destruídos a cada segundo. Esse processo ameaça a biodiversidade e compromete a qualidade da água, reduzindo a recarga de aquíferos e a retenção hídrica. A desertificação também provoca insegurança alimentar, pois afeta a produtividade agrícola, desloca populações, intensifica conflitos por recursos naturais e agrava a pobreza, especialmente em comunidades rurais. Além disso, acelera as próprias mudanças climáticas, ao diminuir a captura de carbono pelos solos, e amplia fenômenos extremos, como secas e tempestades de areia, tornando áreas inabitáveis e gerando migrações em massa.
O Brasil, guardião de biomas estratégicos e potência agrícola, enfrenta o paradoxo de ser ao mesmo tempo vulnerável à desertificação e protagonista em sua mitigação. No semiárido brasileiro, a desertificação já é uma realidade. Áreas como o norte da Bahia e o sul de Pernambuco enfrentam condições críticas, com, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), aproximadamente 6 mil quilômetros quadrados em estado avançado de degradação. Isso significa que a região está, na prática, se transformando em deserto. Ao mesmo tempo, nas últimas décadas, o semiárido avançou cerca de 230 mil quilômetros quadrados sobre áreas de clima subúmido seco.
Essa situação, segundo o Cemaden, atinge diretamente cerca de 38 milhões de pessoas, incluindo mais de 1,7 milhão de estabelecimentos de agricultura familiar, 42 povos indígenas e centenas de comunidades quilombolas apenas na região da Caatinga. Mas biomas como o Pantanal e a Amazônia também sofrem com processos de degradação do solo, impulsionados pelo desmatamento, as queimadas e o manejo inadequado do solo.
A Mata Atlântica, por outro lado, oferece exemplos promissores de enfrentamento a esse cenário. Seu histórico recente mostra que a recuperação de florestas nativas é possível. Entre 1985 e 2023, o bioma perdeu cerca de 3 milhões de hectares de vegetação, mas, desde a aprovação da Lei da Mata Atlântica, em 2006, houve um ganho líquido de 800 mil hectares de floresta. Projetos de restauração florestal, como os desenvolvidos no Pontal do Paranapanema, na Serra da Mantiqueira e em diversas áreas do Nordeste, vêm transformando positivamente áreas do bioma antes degradadas.
A restauração desempenha um papel fundamental no enfrentamento à desertificação ao contribuir para a retenção de água, o controle da erosão, a proteção da biodiversidade e a captura de gases de efeito estufa. Nesse contexto, o Brasil assume um protagonismo global ao integrar a restauração florestal como uma estratégia central em suas metas climáticas. Na nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), apresentada em novembro na COP 29, em Baku, no Azerbaijão, o país reforçou seu compromisso com a restauração, com a redução do desmatamento e o uso sustentável de seus biomas para alcançar a neutralidade climática até 2050.
Antes e depois da restauração florestal na sede da Fundação SOS Mata Atlântica.
O governo brasileiro destacou, juntamente ao combate ao desmatamento ilegal, o incentivo econômico à recuperação de terras degradadas, tornando essa prática mais atrativa. Instrumentos como os planos de ação para prevenção e controle do desmatamento nos biomas brasileiros, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) e a Estratégia Nacional de REDD+ fortalecem a capacidade do país de liderar a agenda de restauração, consolidando uma base política robusta para enfrentar a desertificação e construir um futuro sustentável.
Essa liderança ganha ainda mais relevância na próxima COP de Desertificação, realizada entre 2 e 13 de dezembro de 2024, em Riad, na Arábia Saudita. Como a maior conferência da história dedicada ao tema, a COP 16 representa uma oportunidade para o Brasil apresentar suas iniciativas de restauração florestal e destacar experiências bem-sucedidas.
Divididas em três principais frentes (mudanças climáticas, biodiversidade e desertificação) as COPs (Conferências das Partes) abordam desafios interconectados que exigem soluções integradas. Entre todas as ações possíveis, nenhuma é tão transversal quanto a restauração florestal. Recuperar a vegetação nativa é a resposta tanto para combater a desertificação quanto para mitigar os impactos das mudanças climáticas e conter a perda de biodiversidade. É uma solução múltipla e, portanto, precisa ser encarada como uma necessidade imediata – a prioridade número um da agenda global.