Artigo publicado originalmente no The Guardian
*Luis Fernando Guedes Pinto
A ciência é clara: a mudança climática é inequívoca e resultado da atividade humana. O planeta já está 1,1
oC mais quente do que os níveis pré-industriais e a caminho de subir 2,5
oC ou mais neste século, o que seria catastrófico. As populações mais pobres e mais vulneráveis sofrerão primeiro e mais intensamente.
As mudanças climáticas trarão secas, enchentes, temperaturas extremas e furacões, os quais podem se tornar mais intensos e mais frequentes com o tempo e impactar bilhões de pessoas. O aumento dos níveis do mar, a escassez de água e alimentos, e regiões tornando-se inóspitas podem causar migrações em massa em um planeta que já fecha suas fronteiras.
Essas são as notícias ruins. A boa notícia é que podemos mitigar esse caminho tão catastrófico e entregar um planeta seguro para os nossos filhos e as próximas gerações. Precisamos atingir esse objetivo nas próximas três décadas. O tempo é curto e o desafio é enorme, mas é possível alcançá-lo. Os dois maiores desafios serão acabar com a queima de combustíveis fósseis e parar o desmatamento.
Se, para alguns países, combater as mudanças climáticas é um obstáculo, para outros, é uma oportunidade. O Brasil está entre aqueles que podem contribuir com o planeta e ainda assim promover o próprio desenvolvimento, baseado em uma economia verde e sustentável. O país abriga duas das florestas tropicais mais importantes e diversificadas do mundo: a Amazônia e a Mata Atlântica. Quase 20% da Amazônia (73 milhões de hectares) foi derrubada nas últimas décadas, enquanto 88% da Mata Atlântica (115 milhões de hectares) desapareceu desde a chegada dos europeus em 1500.
Precisamos frear o desmatamento da Amazônia antes que a floresta alcance o seu ponto crítico e se torne um cerrado. O limite mínimo de 20% de desmatamento pode transformar a maior floresta tropical do mundo em uma fonte de emissões de carbono, em vez de um sumidouro, o que afetaria o clima, a maior reserva de água doce e uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta. Também afetaria um alto número de grupos indígenas.
Apesar do aumento do desmatamento nos últimos anos, o Brasil já o controlou com êxito no passado. De 2004 a 2012, o desmatamento na Amazônia diminuiu 80% devido a políticas públicas coordenadas para reduzir o desmatamento ilegal, criar áreas protegidas e restringir a expansão da soja e da pecuária. Ao mesmo tempo, a agricultura em larga escala cresceu e a agricultura familiar foi fortalecida; foi uma situação em que todos ganhavam, mas ela foi abandonada pelo atual governo federal.
Uma das maiores contribuições que o Brasil pode oferecer ao mundo é voltar ao desmatamento zero da Amazônia, o que também garantiria resiliência para que o país continue sendo um produtor global de alimentos. No entanto, a atual emergência climática exige mais do que isso. Restaurar a Mata Atlântica, sequestrando grandes quantidades de carbono da atmosfera, poderia ser a segunda maior contribuição. Isso protegeria a biodiversidade, conservaria água e mitigaria as mudanças climáticas; tudo isso a um baixo custo, comparado com outras regiões do planeta.
Recuperar 5 milhões de hectares de árvores nativas para proteger as nascentes e os riachos da Mata Atlântica não compete com a produção de alimentos. A ação também contribuiria com o abastecimento de água e a geração de hidreletricidade, amenizando as potenciais crises hídricas e os riscos de um apagão elétrico no bioma que abriga 70% da população brasileira e gera 80% do PIB nacional.
Plantar 10 milhões de hectares de árvores para substituir pastos degradados fomentaria uma economia florestal dinâmica, com madeira e serviços ecossistêmicos, além de gerar muitos novos empregos. Políticas públicas, uma cadeia de valor sustentável de commodities como açúcar, suco de laranja, polpa de celulose, cacau e café, e o mercado de carbono, podem atrair investimentos na velocidade e na escala exigidas pela emergência climática. O sucesso de um projeto de florestamento assim poderia se tornar uma referência durante a década da restauração dos ecossistemas declarada pela ONU.
Existem alguns lugares do mundo que estão posicionados de forma única para combater as mudanças climáticas, proteger a natureza e fomentar o crescimento econômico — tudo ao mesmo tempo. O Brasil não deve, nem pode, perder essa oportunidade.
*Luis Fernando Guedes Pinto é diretor de Conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica.