Solo quente, seco e descoberto: receita "perfeita" para tempestades de terra no Brasil
22 de November de 2021
Publicado originalmente no Um Só Planeta
* Luis Fernando Guedes Pinto e Malu Ribeiro
Já faz um bom tempo que especialistas e instituições de pesquisa nos alertam em relação às mudanças climáticas e à pressão sobre os recursos naturais. Eventos naturais extremos vêm se tornado cada vez mais frequentes – das piores secas às grandes enchentes e dos invernos mais gelados aos verões nada menos que infernais. Recentemente, imagens de tempestades de terra invadindo as cidades de Franca, Ribeirão Preto e Catanduva causaram assombro e transtornos.
O fenômeno foi resultado do encontro de fortes ventos com um solo quente e seco, agravado pela falta de cobertura florestal. É importante destacar o solo quente, seco e descoberto, isto é, sem vegetação ou cobertura verde. A presença de floresta ou qualquer tipo de vegetação protegeria o solo do vento e não permitiria que a terra se desprendesse e se tornasse uma tempestade.
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Seca, Ilha do Mel (PR). Foto: Otávio Nogueira
Em setembro, época do ano em que a tempestade aconteceu, o solo é preparado para o plantio da próxima safra. E, por mais que se insista que praticamos uma agricultura tropical e sustentável em larga escala, ainda revolvemos o solo e o deixamos exposto para plantio, no final da época da seca e início das chuvas. O resultado: tempestades de terra no ar e enxurradas de solo nos rios. Nos dois casos jogamos fora a camada mais fértil do solo e os corretivos e fertilizantes aplicados no plantio. De quebra, também podem ir para o ar e para a água dos rios herbicidas pré-emergentes, aqueles aplicados para eliminar o mato que está por vir.
Os efeitos são muitos e, como sempre, a sociedade paga a conta: problemas respiratórios, sujeira e poluição nas cidades e nos rios. E enxurrada de terra que vem quando começam as chuvas também assoreia rios e reservatórios, tornando ainda mais crítica a crise hídrica e de produção de hidroeletricidade. Além dos impactos ambientais e para a saúde pública, estamos jogando recursos naturais e dinheiro fora, num clássico perde-perde.
É um atestado de que estamos longe de praticar uma agricultura sustentável de larga escala adaptada para a região tropical. Ainda não protegemos o solo – o maior patrimônio da produção de alimentos – do vento e da chuva. O solo protegido também é fundamental para o crescimento das florestas e a infiltração e conservação da água. O solo nu dificulta em grande medida os microrganismos, insetos e toda a biodiversidade, que cada vez mais sabemos serem fundamentais para uma agricultura sustentável.
Sem florestas a água da chuva corre de forma mais rápida no solo e não infiltra de forma suficiente para reabastecer os lençóis freáticos. Nascentes deixam de ser perenes e a captação de água subterrânea na região também é afetada.
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Desmatamento. Foto por Eduardo Santos