* Versão ampliada do artigo publicado originalmente na revista Top of Mind.
Sou nativa da Mata Atlântica. Nasci numa cidade que tem de um lado a serra do Itapeti e de outro, a serra do Mar. Mogi das Cruzes é também cortada pelo Rio Tietê, que nasce bem próximo, em Salesópolis.
Desde criança, conheço bem este lugar. O meu pai pilotava monomotores e passava com ele muitos finais de semana sobrevoando e visitando essa região e outros trechos do bioma. A paisagem vista do céu é algo extraordinário e esse exercício ajudou muito, anos mais tarde, entre 1994 e 2021, quando coordenei o
Atlas da Mata Atlântica, ferramenta para monitorar o desmatamento, desenvolvida pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Dos meus olhos sobre o horizonte, me tornei ambientalista, ampliando a visão com os olhos dos satélites. No trabalho, pude observar, indignada e triste, muitas áreas desmatadas, queimadas e devastadas. O conhecimento só aumentou a minha vontade de lutar cada vez mais em defesa da Mata Atlântica. Tive oportunidade de admirar muitas florestas preservadas e protegidas. Também, conhecer muitas pessoas, comunidades, organizações, iniciativas e suas histórias incríveis.
O contato com a natureza é para mim a plenitude da vida, momento sempre mágico e de testar e explorar todos os sentidos. A vista pode alcançar as paisagens mais fabulosas e nosso olhar pode dar o zoom aos detalhes, os mais singulares. De dia, podemos ver o verde e o colorido das plantas, das flores e dos animais. À noite, com muita sorte, poderemos ver as luzes de vaga-lumes, pirilampos ou fungos e cogumelos bioluminescentes.
O som, especialmente do canto dos pássaros, o cheiro e o perfume das plantas são puro momento de alegria e prazer! A paixão pela natureza e a força em prol dessa causa só aumentam a cada visita.
Uma trilha na mata atlântica é das coisas que mais gosto de fazer.
A pandemia limitou nossas andanças, mas pude explorar novos lugares. A Mata Atlântica está tão próxima da gente que em poucas horas ou minutos muitos de nós podemos visitá-la. Ela atinge 17 estados, 3.429 municípios, 16 capitais e as principais metrópoles – pois é a casa de 2/3 da população brasileira. Abriga ainda belíssimos parques e reservas, pouco visitados.
O bioma também concentra 80% do nosso PIB, com muitas empresas e atividades econômicas instaladas. Quando comecei a atuar nesta causa, havia poucas empresas aliadas. Depois, o assunto virou moda e surgiu o marketing verde (do inglês,
greenwashing). Por um período, era difícil distinguir as empresas que levavam o meio ambiente a sério das que apenas usavam para se promover. Mas algumas continuaram a evolução, perseguindo uma produção mais sustentável, com menor impacto e apoiando ONGs e iniciativas comprometidas com a causa ambiental.
Com os princípios do ESG, mais empresas adotaram melhores práticas. As marcas, com grande alcance e recursos, podem fazer a diferença por um ambiente mais equilibrado e com qualidade de vida. A forma como elas se relacionam com a natureza e estimulam seu público para uma agenda sustentável é crucial.
O Brasil tem um potencial enorme para promover o desenvolvimento aliado à conservação da natureza, inclusive no turismo, com geração de trabalho e renda para as comunidades e empreendedores locais.
Precisamos de mais consumidores de natureza, no bom sentido. A natureza pode tocar e marcar as pessoas com boas experiências – e fazer bem para nossa saúde, como comprovado com os “banhos de floresta”, conceito que surgiu no Japão e ganhou o mundo.
Sonho com um futuro próspero para a Mata Atlântica, que foi alçada a patrimônio nacional pela importância que tem para o país – que ganhou seu nome de uma árvore do bioma.
O futuro exige preservar as florestas nativas e restaurar áreas, especialmente para garantir água e os demais benefícios para a sociedade e para a economia. A SOS Mata Atlântica já plantou mais de 42 milhões de mudas de árvores nativas em vários estados do bioma em parceria com várias empresas.
Esse futuro só será alcançado com o comprometimento real das empresas e de toda a sociedade.
*Márcia Hirota é presidente do conselho da Fundação SOS Mata Atlântica.