Uma década de destruição da Mata Atlântica e o desmatamento zero

14 de February de 2025

Jean Paul Metzger, Luís Fernando Guedes Pinto e Silvana Amaral, respectivamente professor titular de Ecologia na Universidade de São Paulo (USP), diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica e pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), para a Folha de S. Paulo


Em uma década, entre 2010 e 2020, a Mata Atlântica perdeu mais de 186 mil hectares de florestas maduras. São elas que abrigam o maior estoque de carbono e biodiversidade e seu desmatamento, majoritariamente ilegal, contribuiu no aumento do risco de extinção de plantas e animais.

O estudo que publicamos na revista científica britânica Nature Sustainability revela a magnitude da destruição e seus impactos, além de apontar os desafios para reverter essa tendência. Pela primeira vez foi analisado o padrão geográfico, fundiário, de tamanho e de uso da terra de todos os polígonos de florestas maduras perdidas numa década recente, o que permite buscar caminhos para o desmatamento zero.

A Lei da Mata Atlântica foi sancionada em 2006 para proteger o bioma onde vive 72% da população e se produz 80% do PIB nacional. O desmatamento só poderia ocorrer em condições excepcionais. Afinal, os 24% de sua cobertura original que ainda restam são essenciais para a regulação climática, a biodiversidade e a segurança hídrica. Mas, mesmo com essa proteção legal, a destruição persiste.

A perda está atualmente concentrada em duas regiões ou hotspots de desmatamento. No norte do bioma, entre Bahia e Minas Gerais, há cortes maiores, onde as florestas são substituídas por pastagens e silvicultura. Ao sul, área que abrange Paraná e Santa Catarina, os remanescentes deram lugar a culturas temporárias, vegetação secundária e pastagens. A maior parte (73%) ocorre em propriedades privadas. Mesmo áreas protegidas e terras indígenas têm sido afetadas – foram 15 mil hectares desmatados nesses locais. No total, estima-se que a destruição tenha emitido 89,14 milhões de toneladas de CO2.

Menos floresta significa menos proteção das encostas, menos fornecimento de água e maior susceptibilidade a eventos climáticos extremos. O desmatamento contribui ainda para a fragmentação das matas, que reduz a biodiversidade e a provisão de serviços essenciais para a produção agrícola, como a polinização e o controle de pragas. Isso afeta o cotidiano de milhões de pessoas, com riscos que vão do aumento da frequência de enchentes à redução da produtividade agrícola.

É urgente fortalecer a Lei da Mata Atlântica e investir em tecnologias de monitoramento de rápida aplicação. Também é necessário ampliar os incentivos econômicos aos proprietários que preservam ou restauram florestas nativas. Exemplos como o ICMS Verde mostram o potencial de políticas bem estruturadas.

Além disso, é essencial o investimento na restauração em larga escala. Embora as florestas secundárias (em áreas anteriormente desmatadas) possam executar parte dos serviços ecossistêmicos, essas matas têm menor biodiversidade e são mais vulneráveis a novos desmatamentos antes da maturidade. As primárias devem ser nosso maior foco de preservação e monitoramento.

A Mata Atlântica em pé é central para a saúde do país – incluindo a economia. Soluções que integrem incentivos financeiros, fiscalização e envolvimento comunitário podem nos ajudar a caminhar em direção ao desmatamento zero e transformar o bioma num modelo global de restauração e sustentabilidade.

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