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17 de June de 2025
Luís Fernando Guedes Pinto, Paula Bernasconi e André Vasconcelos para a Folha de S. Paulo
A Mata Atlântica foi a principal região produtora e exportadora de alimentos no Brasil no início da ocupação brasileira com a chegada dos portugueses em 1500. Os ciclos de produção da cana-de-açúcar, da pecuária e do café atravessaram os séculos avançando sobre a Mata Atlântica de forma predatória, produzindo a comida que alimentou a população brasileira e exportando matérias-primas para a Europa.
Esse papel fundamental para o desenvolvimento e a segurança alimentar do país não se encerrou com a posterior abertura da fronteira agrícola em outros biomas, como o Cerrado e a Amazônia. O censo agropecuário do IBGE de 2017 aponta que a Mata Atlântica permanece como o principal bioma da agropecuária e de produção de alimentos do Brasil. Responde por 52% do volume (em toneladas) das culturas alimentares, 43% do conjunto da produção de cana, soja e milho e 56% dos alimentos de origem animal. Novamente, combinando alimentos de consumo interno com commodities para exportação.
Porém, a despeito de mais de 500 anos de destruição, de ser o bioma mais devastado do país com o menor remanescente da sua cobertura de vegetação nativa, dos avanços da ciência e da tecnologia e do aprimoramento da governança (inclusive com a publicação da Lei da Mata Atlântica em 2006), parte dessa produção ainda é marcada pelo desmatamento. Um estudo publicado na revista Nature Sustainability em janeiro mostrou que durante a década de 2010-20 perdemos 186.000 ha das raras florestas maduras do bioma, principalmente para a expansão da fronteira agrícola.
Novo levantamento da plataforma de transparência Trase, aponta que a produção de soja avançou e pressiona a Mata Atlântica. Com base em dados da safra de 2022, o estudo mostra que mais de 50 mil hectares de soja foram cultivados em áreas do bioma que haviam sido desmatadas nos cinco anos anteriores. O número representa mais que o dobro do registrado entre 2015 e 2019 (22 mil hectares).
A nova análise indica ainda que 21% de toda a soja comercializada pelo Brasil em 2022 teve origem na Mata Atlântica – mais de 25 milhões de toneladas. Desse volume, 36% foram exportados para a China, 36% permaneceram no mercado interno brasileiro e os 28% restantes seguiram para países como Coreia do Sul, Irã e Vietnã.
A produção de soja já ocupa cerca de 11,6 milhões de hectares de áreas na Mata Atlântica, sendo parte desse avanço associada ao desmatamento recente. Um terço (33%) de toda a área de floresta nativa desmatada para dar lugar à soja no bioma está concentrado em apenas 10 municípios, com destaque para a região entre o Rio Grande do Sul e o Paraná, que respondeu por 76% das áreas desmatadas identificadas no estudo.
Os grãos oriundos de áreas recém desmatadas saem das lavouras e chegam aos mercados globais por meio de traders internacionais, sendo que algumas delas têm compromissos com o desmatamento zero. Embora o fim do desmatamento seja uma obviedade para enfrentar as crises globais do clima e da biodiversidade, para garantir serviços ecossistêmicos para a economia, a própria produção agropecuária, a prosperidade e a saúde, vivemos um momento de retrocesso na adesão e implementação aos compromissos de desmatamento zero. Lideranças nacionais pressionam para que a regulação anti-desmatamento da União Europeia (EUDR) seja adiada enquanto em Mato Grosso e outros estados da Amazônia há um movimento para acabar com a Moratória da Soja.
Porém, se o Brasil deseja permanecer sendo uma potência do agronegócio e um protagonista ambiental, o sucesso no enfrentamento do desmatamento depende não somente do fortalecimento, mas da expansão dessas iniciativas para todos os biomas. A Lei da Mata Atlântica deve ser uma referência nesse sentido, devendo ser complementada por novos mecanismos de uma agenda positiva para alcançarmos nossos compromissos de acabar com o desmatamento até 2030.