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28 de October de 2022
Luis Fernando Guedes Pinto, da SOS Mata Atlântica, na última Conferência do Clima em Glasgow.
O quanto a economia de baixo carbono tem potencial para geração de novos modos e postos de trabalho no país?
Acho que temos o que falar sobre o Brasil e sobre o mundo. No caso do Brasil temos, até 2030, uma oportunidade de criar mais de 200 mil novos postos de trabalho, muitos deles com restauração, mas também com a agricultura de baixo carbono e outras áreas. E a gente pode chegar em 2030 com uma redução de 63% a 82% das nossas emissões em relação a 2005. Então, se o mundo tem que reduzir pela metade, a gente tem condições de ir muito além.
Esses são dados gerados pela iniciativa Clima e Desenvolvimento. Foram várias rodadas para chegarmos a esses números e validá-los politicamente. E isso custa pouco. Conseguimos fazer muita coisa, gerar muitos novos empregos a baixo custo. É uma questão de querer fazer. Depende de uma mudança política também.
Mas o que estou vendo, e acho muito importante falar, é que os países que decidiram já o que vão fazer nessa direção podem menos do que a gente, mas estão decididos a fazer. Estamos vendo a história passar na nossa frente, porque a economia do clima está explodindo nesses lugares. Um exemplo é o dos Estados Unidos, eles acabaram de aprovar esse pacote de US$ 369 bilhões, onde há muita coisa voltada à restauração. Ações domésticas, para os fazendeiros e para as pessoas terem recursos para fazer conservação e restauração.
O Credit Suisse fez as contas e viu que, na verdade, vão acabar sendo movimentados outros US$ 800 bilhões a partir desse pacote. Os investidores do setor privado estão muito animados. Então, essa conta chega a US$ 1.7 trilhões até o final dessa década. E aí temos muito emprego. Nesse instante, nos Estados Unidos, não se trata mais de se tentar minimizar os riscos em uma transição, mas sim o contrário. Trata-se de maximizar as chances de usar as oportunidades que estão vindo aí.
É isso que falta aqui no Brasil. Sabendo que podemos fazer, fazermos.
A agenda climática tem mobilizado as juventudes em sua avaliação? Qual a importância desses jovens e de movimentos como #fridaysforfuture?
Eu comecei a trabalhar nessa agenda climática muito nova, tinha 18 anos. Acho que os jovens, e eu vejo agora muitas pessoas jovens, entre 20 e 30 anos, que têm um papel muito legal. Mas o que realmente mudou, mexeu o ponteiro, foi o engajamento das crianças.
A Greta Thunberg era uma criança, tinha 9 ou 10 anos quando eu a conheci. E a voz das crianças veio para o debate de forma muito contundente, falando a todos nós, adultos, aquilo que precisava ser dito. Elas começaram a questionar por que estudar sem ter certeza do futuro. Quer dizer, que coisa mais amarga, que dificuldade é esse planeta que as crianças não conseguem entender.
Essas crianças agora são jovens, e você tem jovens e crianças trabalhando com pessoas mais velhas, em alianças que foram se formando mundo afora. Há um conselho de jovens na ONU, onde temos uma brasileira, a Paloma Costa. Vemos muitas organizações tradicionais se abrindo para ouvir os jovens. Se estabeleceu um diálogo intergeracional muito interessante, muito diferente. Por mais que a gente sempre tenha tido jovens envolvidos, de 2015 para cá, depois do Acordo de Paris feito, as vozes infantis começaram a pedir direitos sobre o seu futuro.
Queria muito reforçar o recado de que a gente precisa resolver a crise climática - crise, uma coisa que tem fim, não uma emergência permanente - na nossa geração. As crianças vão pegar um mundo já muito pior, os dados do IPCC são chocantes. A responsabilidade é nossa. Mesmo. Não tem depois.
Em sua avaliação, o quanto a percepção de que crise climática tem a ver com a sobrevivência da humanidade no planeta está clara para as pessoas?
Eu acho que a crise se tornou visível. Porque começamos a ver e a viver coisas muito violentas e frequentes. Vamos pensar na Bahia, quando, no ano passado, vieram 700 milímetros de chuva em poucas horas. É uma coisa brutal, ninguém pode falar que já teve uma chuva dessas. Agora tivemos esse furacão que passou ali pelo Caribe e pela costa americana, que engatou numa onda ali, enfim, pegou um oceano muito quente e foi devastador também. Sempre temos furacão, todo ano, mas a velocidade disso agora é uma coisa inacreditável.
A gente está vendo coisas com as quais nunca tivemos que lidar. O que estamos vivendo, que me assusta e acho que assusta mais as pessoas, é a instabilidade do clima. É não saber mais o que esperar. Os humanos gostam de mudança, o que não gostamos é de perda. Então perder a nossa capacidade de saber se vamos ter verão ou inverno, se vai ter seca, enfim, é um horror.
Acho que hoje em dia as pessoas que querem fingir que o problema não existe estão cada vez com maior dificuldade, porque as coisas estão sendo sentidas. O que eu vejo de dificuldade é saber o que as pessoas podem fazer para agir. Como elas podem transformar o medo, a raiva, a angústia de quem está vendo e vivendo tudo isso em ação.
A gente participou agora num processo eleitoral em que vimos, dos telejornais aos debates, a questão climática aparecendo. Então também a realpolitik está tendo que se deparar com essa questão, mas isso ainda não está refletido nos votos. A gente ainda não tem uma bancada pelo clima, por exemplo. Como a gente faz com que as pessoas consigam conectar política e clima?
E a outra coisa que quero destacar é nosso dia a dia, a importância também das decisões individuais. O IPCC pontuou isso no relatório deste ano, pela primeira vez se ousou destacar que as decisões individuais também importam, que a soma dos indivíduos é mais que o todo. Acho que a gente está nesse momento de as pessoas começarem a entender que as suas escolhas individuais, seja de voto, seja de dieta, seja de cuidar do jardim da casa, tudo isso tem impacto positivo ou negativo na nossa transição para uma economia de baixo carbono.