Por Mônica Ribeiro
Quando começou a militar e se interessar pela mudança climática, Natalie Unterstell tinha apenas 18 anos. De lá para cá, sua atuação nessa agenda se intensificou cada vez mais.
Atuou em governos federal e estaduais, no apoio à construção de políticas públicas, incluindo o Programa de Adaptação à Mudança do Clima - Brasil 2030, como diretora da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) da Presidência da República. Contribuiu como negociadora do país nos assuntos de mudança do clima na ONU e foi Secretária Adjunta do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC).
É membro do Painel de Acreditação do Green Climate Fund e cofundadora e membro de diversos projetos e organizações, como a Política Por Inteiro. Atualmente, preside o Instituto Talanoa, dedicado às políticas de mudança do clima no Brasil.
É desse lugar que ela fala com a SOS Mata Atlântica, organização da qual é também conselheira, sobre o que esperar do Brasil na COP27 de Mudança do Clima, que acontece de 6 a 18 de novembro, no Egito.
Natalie lamenta que o país venha escondendo informações que permitiriam aos brasileiros e à comunidade internacional entender qual é o nosso compromisso em curto prazo: “Isso é muito ruim, porque gerou um outro problema chamado falta de integridade climática, um princípio das negociações que quer dizer que não basta se colocar uma proposta lá, ela tem que, de fato, ser algo que não vá piorar o sistema, que não vá gerar também outros problemas. E tem uma terceira coisa, que é fundamental, que são os resultados muito ruins de políticas públicas do Brasil nos últimos anos.”
Ela vê com bons olhos a aproximação das agendas de clima e de diversidade biológica que vem acontecendo nos últimos anos, o que pode trazer sinergia de ação, ferramentas e mecanismos de financiamento. E destaca a restauração e a recuperação florestal como uma nova agenda que vem se consolidando, sendo a Mata Atlântica o bioma brasileiro que mais tem esse tipo de experiência em seu território.
“A Mata Atlântica é o espaço em que vive a maioria dos brasileiros. É um bioma que quase desapareceu do ponto de vista natural, e em que a gente teve inovação por razões erradas, para poder garantir a sobrevivência. Tivemos a Lei da Mata Atlântica, experiências com reflorestamento e restauração. Então a Mata Atlântica pode ter realmente um papel fantástico tanto na descarbonização quanto na adaptação do Brasil. E na nossa resiliência.”
Natalie destaca a presença cada vez mais constante do engajamento de crianças na agenda climática. “Elas começaram a questionar por que estudar sem ter garantia de futuro. Se estabeleceu um diálogo intergeracional muito interessante de 2015 para cá, depois do Acordo de Paris. A gente tem que resolver a questão climática na nossa geração. As crianças já vão pegar um mundo muito pior, os dados do IPCC são chocantes. E a responsabilidade é nossa. Temos que resolver agora. Não tem depois.”
Como vê a participação do Brasil nessa COP do Clima?
O Brasil de fato perdeu credibilidade, e as razões para isso têm a ver, primeiro, com transparência. No momento em que o país tinha que aumentar a ambição da sua meta, que tinha sido depositada em 2016, a primeira coisa que fez foi esconder todas as informações possíveis que nos permitiriam, como brasileiros, ou para a comunidade internacional, entender qual é o compromisso de curto prazo. E isso é muito ruim, porque gerou um outro problema chamado falta de integridade climática, um princípio das negociações que quer dizer que não basta se colocar uma proposta lá, ela tem que, de fato, ser algo que não vá piorar o sistema, que não vá gerar outros problemas. E tem uma terceira coisa, que é fundamental, que são os resultados muito ruins de políticas públicas no Brasil.
A gente mede o desmatamento na Amazônia desde 1988 - e em outros biomas temos feito isso há bastante tempo também, como na Mata Atlântica, pelo trabalho da Fundação SOS Mata Atlântica com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Então sabemos o que está acontecendo. O governo paralisou, para todos os fins e efeitos, as políticas de controle desse desmatamento ou de restauração. Vivemos uma situação ruim em todos os biomas. A gente vai precisar agir, consertar o rumo e mostrar bons resultados. Com isso, quem sabe, conseguiremos recuperar a credibilidade e a confiança, porque o Brasil virou realmente um ator tóxico, de que ninguém quer chegar perto porque tem medo de parecer que está apoiando o país nesses posicionamentos.
Dito isso, quando você pergunta como o Brasil vai chegar nessa COP, temos que lembrar que vai chegar como um país governado por Jair Bolsonaro. Mesmo que haja uma mudança*, nesta COP27 ainda é esse governo que vai às negociações. Então, em termos de cooperação com os outros países e negociação, a gente ainda não vai ter oficialmente uma mudança de sinal. Talvez se tivermos mudado de governo, o governo Lula possa dar esse sinal e nos ajudar. Mas em termos oficiais a gente ainda vai para a COP com esse conjunto de coisas que a gente conhece tão bem.
*OBS.: Entrevista feita antes do 2º turno das eleições de 2022.
[caption id="attachment_1090645881" align="aligncenter" width="640"]
Luis Fernando Guedes Pinto, da SOS Mata Atlântica, na última Conferência do Clima em Glasgow.