Governo Bolsonaro estimula crimes ambientais na Mata Atlântica
16 de April de 2020
Em meio ao estado de calamidade pública vivido pelo Brasil, quando as atenções estão voltadas aos esforços para cuidar da população e a sair da situação de pandemia causada pelo novo coronavírus, o Governo Bolsonaro continua estimulando crimes ambientais e o desrespeito à legislação para satisfazer e beneficiar interesses de setores e grupos específicos, instigados pelo próprio presidente da República que já disse: “acabar com as multas ambientais e tirar o Estado do cangote do produtor”.
No último dia 06, por meio do Despacho nº 4.410/2020 – do enfraquecido Ministério do Meio Ambiente (MMA) – o governo Bolsonaro recomendou aos órgãos ambientais (Ibama, ICMBio e Instituto de Pesquisas Jardim Botânico) que desconsiderem a Lei da Mata Atlântica (nº 11.428/2006) e apliquem regras mais brandas constantes do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) para áreas ditas consolidadas nas regiões de domínio da Mata Atlântica. Na prática, essas áreas são aquelas com atividades econômicas que exploravam terras antes de 2008. Com o despacho, não precisarão mais recuperar áreas consideradas irregulares e ilegais pela Lei da Mata Atlântica.
“É óbvio que estão se aproveitando deste momento para fazer as maldades que sempre quiseram, pois apenas 5% das multas ambientais são pagas de fato, não é esse o objetivo. O desrespeito à legislação ambiental é flagrante nesse governo de retrocessos e desmandos. Não vamos permitir danos à Mata Atlântica, casa de mais de 140 milhões de brasileiros. Temos denunciado que continuam tirando o verde da nossa Terra e contra atos criminosos como esse temos que agir”, afirma Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.
A organização está tomando diversas medidas contra essa decisão e trabalhando em parceria com a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA), que já sugeriu aos Ministérios Públicos dos 17 estados do bioma e Ministério Público Federal medidas de respeito e aplicação da Lei da Mata Atlântica.
Ferir o meio ambiente é agredir a população e as atividades econômicas
Dados do Atlas da Mata Atlântica, elaborado pela Fundação em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), apontam que entre 1995 e 2008 – que contempla o período estabelecido pelo despacho – mais de 720 mil hectares foram desmatados na Mata Atlântica. Nem todas essas áreas são consideradas consolidadas, mas é possível imaginar a dimensão desta flexibilização do governo.
O despacho de Salles é baseado no parecer nº 115/2019, da Advocacia Geral da União (AGU), elaborado a pedido da Federação de Agricultura do Estado do Paraná (FAEP) e da Confederação Nacional de Agricultura (CNA) ao Ministério de Agricultura. Com este parecer, proprietários rurais também poderão solicitar o cancelamento de multas.
Nos anos de 2018 e 2019, a Operação Mata Atlântica em Pé, realizada pelo Ministério Público com coordenação nacional de sua sede do Paraná, fiscalizou mais de 1.000 imóveis com suspeitas de crimes ambientais contra a Mata Atlântica, usando também dados do Atlas da Mata Atlântica. Foi confirmado o desmatamento de mais de 10 mil hectares de floresta no bioma com a aplicação de mais de R$ 45 milhões em multas. Além disso, diversos termos de ajuste de conduta foram firmados com proprietários rurais para que a informação possa fazê-los entender como a floresta vale mais em pé do que derrubada.
“Esse novo entendimento do Ministério do Meio Ambiente sobre o tema faz negar indevidamente a vigência da Lei da Mata Atlântica, desvirtua a ordem jurídica, e implica em gravíssimos prejuízos socioambientais”, afirma Alexandre Gaio, promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná.
Especialmente protegida pela Constituição Federal e declarada Patrimônio Nacional, a Mata Atlântica é o único bioma brasileiro cuja proteção dos remanescentes florestais e usos são regulamentados por uma lei específica. Considerada uma importante conquista da sociedade, a Lei da Mata Atlântica vem sendo aplicada e implementada nos 17 estados e em 3.429 municípios, com base no mapa de sua aplicação, beneficiando mais de 145 milhões de pessoas com serviços ambientais, como a regulação do clima, a proteção da água, da biodiversidade, saúde e bem-estar à população, dentre outros benefícios diretos e indiretos.
Apesar da importância estratégica para a população, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (sem partido), desconsidera a sua responsabilidade de defender os patrimônios naturais do Brasil e todo o acúmulo de pareceres e notas técnicas da sua pasta e acolhe integralmente em despacho o novo parecer da Casa Civil em desrespeito à Lei da Mata Atlântica.
Vale lembrar que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) também recebeu, no fim de 2019, autorização de Bolsonaro para uso da terra pela agricultura em áreas consideradas consolidadas pelo novo Código Florestal a partir de 2008.
É importante destacar para setores empresariais, como a CNA, que suas atividades econômicas não conseguirão subsistir sem a proteção da Mata Atlântica. Sem esse bioma não há água e solo fértil para produzir. Dentre outros serviços, como a segurança climática e a relação do bioma com a saúde física e mental da população. São tantos serviços ambientais e ecossistêmicos que a Mata presta que a população não tem ideia. O despacho do Ministério do Meio Ambiente, além de ser frágil do ponto de vista legal jurídico, é uma grave ameaça à Lei da Mata Atlântica, descredibiliza e enfraquece os órgãos aplicadores da Lei, gera insegurança jurídica e, mais uma vez, premia os desonestos.
“A Lei da Mata Atlântica é uma conquista da sociedade e assim precisa permanecer. Continuam tirando o verde da nossa terra e contra isso que precisamos lutar. Proteger o meio ambiente é cuidar de vidas e, neste momento, precisamos disso ainda mais. Qualquer ato que não privilegie essa lógica é irresponsável”, finaliza Mantovani.