Peixes mais encontrados em feiras de São Paulo estão ameaçados
25 de May de 2013
A Fundação SOS Mata Atlântica, por meio do Programa Costa Atlântica, realizou um levantamento em feiras-livre, grandes supermercados e peixarias da cidade de São Paulo entre os meses de abril e maio. O objetivo era verificar quais espécies de pescado, entre peixes, moluscos e crustáceos, poderiam ser encontrados e se o período de defeso determinado por lei era respeitado.
Durante o período, foram visitadas 34 barracas de peixes em 32 feiras-livres, 22 supermercados e 10 peixarias nas quatro regiões da cidade (zona norte, leste, sul e oeste).
Nas feiras-livres, em um total de 52 espécies diferentes, a sardinha esteve presente em 100% das barracas, o cação em 97% e o salmão, importado das águas frias chilenas, esteve presente na maioria das feiras (87,5% das barracas). Já nos mercados e peixarias, das 68 espécies, o salmão esteve presente em 97% dos estabelecimentos.
A Instrução normativa número 5 de 21 de maio de 2004 do Ministério do Meio Ambiente lista as espécies brasileiras de invertebrados e peixes ameaçadas de extinção. Infelizmente, poucos sabem que a sardinha (Sardinella brasiliensis) encontra-se nesta lista e que devido sua alta procura pelo mercado consumidor a pesca desse animal continua intensa, levando os estoques de sardinha à iminência de colapso. Menos ainda sabem que o cação na realidade é um tubarão, e nenhum peixeiro entrevistado soube especificar qual tubarão estava em sua banca sendo vendido genericamente como cação.
Das 88 espécies de tubarões brasileiros, são 12 os que estão na lista de espécies ameaçadas de extinção. Como se não bastasse, o salmão chileno, tão apreciado na culinária japonesa nos últimos anos, vem de fazendas de cultivo do Chile e é exportado diretamente aos mercados brasileiros. O peixe que antes nadava, agora voa para chegar a este lado do Atlântico para suprir o mercado consumidor brasileiro. Com ele recebemos um produto com alta pegada ecológica, devido seu transporte ser carregado de emissões de gás carbônico, e pouco ômega 3, pois somente o salmão selvagem, livre, e não de cultivo em fazendas, possui essa gordura tão procurada.
Peixes de água doce e os camarões-cinza foram citados como provenientes de fazendas de carcinicultura. Uma prática que necessita de grandes extensões de terra próximo a uma fonte de água salobra. Assim, grandes áreas de manguezais são destruídas para a construção de tanques para a criação de camarões. Uma constatação grave foi encontrar a tainha (Mugil sp) fresca sendo comercializada em 35 estabelecimentos em seu período de defeso, com origem citada como sendo de Santa Catarina e de Cabo Frio (15 de março a 15 de agosto determinado pela Instrução Normativa (IN) Ibama 171/08 para tainhas provenientes das regiões Sudeste e Sul do Brasil). Já o camarão-rosa, em seu período de defeso até dia 31 de maio (determinado pela IN Ibama 189/08), foi encontrado congelado. Sinal de que o animal possivelmente foi coletado fora de seu período de defeso.
Outra dificuldade em acompanhar o cumprimento dos períodos de defeso e, principalmente, do tamanho mínimo, é a filetagem de peixes. Sardinhas, pescadas e linguados foram encontrados em oferta ao consumidor final em forma de filés, limpo e embalado, dificultando a identificação do peixe e possibilitando que outras espécies sejam comercializadas de maneira equivocada.
Considerando todos os estabelecimentos pesquisados, a grande maioria de peixes encontrada no levantamento foi de água salgada (80,6%), com o salmão e sardinha presentes em 92,2% dos estabelecimentos. O animal menos observado (encontrado em apenas um estabelecimento) foi o caranguejo-uçá, muito provavelmente devido sua baixa procura no mercado da cidade de São Paulo.
Grande parte do pescado comercializado em São Paulo é comprado no Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) e então redistribuído em peixarias de feiras-livre e mercados. Quando perguntados, os comerciantes diziam que o grande volume do pescado é proveniente de Santa Catarina (86%), porém alguns peixeiros mencionaram que mesmo que a espécie seja pescada no litoral de São Paulo, eles são descarregados no porto de Itajaí em vez do de Santos, devido ao fácil acesso e menor preço encontrado no porto de Itajaí quando comparados ao de Santos. Assim, a proveniência do pescado é difícil de ser determinada. Apenas o salmão teve sua origem citada em 100% dos entrevistados como sendo do Chile.
A lei da oferta e procura atinge também o comércio de pescado. Informar aos consumidores sobre a existência dos períodos de defeso e tamanho mínimo de captura, além de auxiliar na conservação das espécies, evitará o comércio indevido e ilegal de espécies durante o ano. Além disso, o maior interesse dos consumidores sobre a origem real do pescado auxiliará na gestão dos recursos pesqueiros, demonstrando interesse do consumidor na rastreabilidade para garantir a origem do pescado e controle dos estoques pesqueiros. Obter informação sobre a origem do alimento, conhecer possíveis impactos ambientais que uma escolha poderá acarretar e conhecer a existência de restrições para o consumo de uma determinada espécie são dados importantes para que o cidadão possa cumprir seu dever cívico para auxiliar na manutenção de um meio ambiente equilibrado e saudável.
Divulga-se os benefícios de se ingerir peixes como atum, salmão (selvagem), cação, albacora e bacalhau, ricos em ômega 3, para a redução dos níveis de triglicerídeos e do colesterol ruim LDL. Porém, pouco ou nada se fala sobre a quantidade de metais pesados, como mercúrio, cadmio e chumbo, que todos os organismos marinhos possuem em diferentes concentrações em sua carne, como reflexo dos impactos causados pela ação do homem no meio marinho. Quanto maior a posição do animal marinho na cadeia alimentar, maior é a concentração de metais pesados em seu corpo, pois essas substâncias são bioacumulativas. Assim, predadores de topo da cadeia, como o atum, salmão e bacalhau, são os que mais possuem metais pesados em sua carne. E homens omnívoros são os consumidores finais e acumuladores de metais pesados também em seus organismos.
Os serviços ecossistêmicos oferecidos pelo mar são de difícil enumeração, e houve um tempo em que se acreditava que o mar era uma fonte inesgotável de recursos, como peixes e minerais. No relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em 2011, a pesca global atingiu 82,4 milhões de toneladas, um aumento de 6,1% em relação aos dados de 2010. Dentre os 25 maiores países pescadores, o Brasil se posicionou em 23º lugar, com 803.267 toneladas de pescado. Um aumento de 2,3% em relação ao ano de 2010 (785.369 toneladas).
Em um esforço do Governo Federal para realizar estudos na Zona Econômica Exclusiva Brasileira (Programa REVIZEE), verificou-se que 80% dos recursos pesqueiros de interesse econômico estão ameaçados ou em processo de recuperação. Há controvérsias quanto à metodologia utilizada para o levantamento dos estoques pesqueiros para a determinação do status de conservação das espécies marinhas, mas é inegável a necessidade de ações imediatas de conscientização para que as espécies marinhas conhecidas hoje continuem entre nós no futuro.
Há legislações brasileiras para a gestão dos recursos pesqueiros. Dentre elas, encontramos determinações de períodos nos quais a pesca ou cata de uma espécie de pescado é proibida, período chamado de defeso (geralmente em sua época de reprodução ou período de maior crescimento da espécie). Há também aquelas que determinam o tamanho mínimo para a captura da espécie, para assim assegurar que o pescado capturado tenha no mínimo atingido seu tamanho e idade reprodutiva. Iniciativas desse escopo diminuem a probabilidade da exaustão do recurso e, consequentemente, a extinção da espécie. Porém, essas legislações não são para todas as espécies existentes e são, na maioria dos casos, específicas para uma espécie em uma determinada região. Espécies que possuem concordância entre pesquisadores, pescadores e o poder legislativo sobre sua ameaça de extinção, como o mero, possuem sua pesca e comercialização proibida nacionalmente.
Viva a Mata
A situação de ameaça de algumas espécies de peixes consumidos pela população foi discutida no Viva a Mata 2013, no dia 25 de maio, em mesa-redonda sobre consumo consciente de pescado. Durante o debate, foi apresentado um levantamento que a SOS Mata Atlântica realizou em feiras-livres, grandes supermercados e peixarias da cidade de São Paulo entre os meses de abril e maio. O objetivo era verificar quais espécies de pescado, entre peixes, moluscos e crustáceos, poderiam ser encontrados e se o período de defeso determinado por lei era respeitado. Participaram da conversa especialistas como o pesquisador Ronaldo Francini Filho, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a chef Morena Leite, do restaurante Capim Santo e Camila Keiko Takahashi, bióloga da Fundação, entre outros, com mediação da jornalista Paulina Chamorro, editora de meio ambiente das rádios Eldorado e Estadão.