Projetos no congresso prejudicam a mata atlântica e estimulam desmatamento
30 de August de 2022
Graves projetos antiambientais que atacam a Mata Atlântica e o Código Florestal estão na pauta desta quarta-feira (31/08) da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. Se aprovados, eles anistiam quem desmatou ilegalmente e podem provocar um alarmante aumento do desflorestamento no país. O crescimento do desmate já é observado recentemente em todos os biomas brasileiros e, na Mata Atlântica, que é o mais devastado do país, o aumento foi de 66% em um ano – comparando o período 2020-2021 com 2019-2020.
Os projetos de lei (PLs) 686/2022, 195/2021 e 364/2019 permitem, respectivamente, o desmatamento em excedentes de Reserva Legal, facilitam a exploração de madeira e ameaçam o pouco que restou da Mata Atlântica.
“A Lei da Mata Atlântica é uma grande conquista da sociedade, que levou 14 anos para ser aprovada. Somente este bioma brasileiro possui uma lei especial para seu uso sustentável e proteção. Porém, o Congresso Nacional tem agora projetos de lei que representam uma grave ameaça a esse bioma e todas as suas fisionomias. Eles querem rasgar a Mata Atlântica, tirando de sua proteção legal algumas das fisionomias mais sensíveis, como os campos de altitude”, diz Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica.
Ela explica que não é apenas a floresta densa que representa o bioma. “A Mata Atlântica tem vários desenhos diferentes, que são as suas fisionomias, como os manguezais, as restingas, os campos de altitude, as árvores mais ancestrais que são as araucárias. Então, quando a gente tira uma dessas fisionomias, como os campos de altitude, onde existem várias nascentes, recargas de aquíferos e espécies endêmicas, que só ocorrem ali, nós estamos afetando a floresta inteira, o bioma inteiro”, reforça.
Os projetos que estão na pauta não prejudicarão somente o meio ambiente, segundo especialistas, mas toda a sociedade, uma vez que a vegetação nativa garante fontes de água, a fertilidade do solo, o regime de chuvas e a sustentabilidade da agropecuária.
“Rasgar a Lei da Mata Atlântica é passar a boiada sobre a floresta que dá nome ao nosso país e que garante a qualidade de vida de mais de 70% da nossa população”, ressalta Malu.
O advogado Raul Silva Telles do Valle, especialista em políticas públicas da ONG WWF Brasil, afirma que, se aprovado como está, o PL 686/22 ameaça colocar abaixo, sem qualquer controle ou análise de impacto ambiental, todas as florestas recuperadas no país nos últimos 30 anos.
De acordo com o advogado, o PL 364/19 deve ser rejeitado, e os demais projetos “não devem ser aprovados como estão, pois colaborarão para mais desmatamento, mais anistias e mais emissões de gases de efeito estufa, contrariando o interesse público”.
“Se a redação original do PL 686/22 não for modificada, serão 17 milhões de hectares (...) que poderão ser desmatados sem qualquer tipo de controle por parte do Poder Público", alerta em nota. Para a Mata Atlântica, isso representa quase um quarto do total de remanescentes atuais de floresta, de acordo com cálculos do WWF Brasil.
Ameaça hídrica e para a biodiversidade
João de Deus Medeiros, coordenador geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica, analisou em podcast da Frente Parlamentar Ambientalista os estragos que o projeto 364/19 pode provocar. “Esse projeto de lei na verdade procura retirar do conceito de Mata Atlântica as formações de campos de altitude. Isso é uma dupla ameaça. Primeiro porque os campos de altitude são formações extremamente importantes, do ponto de vista de biodiversidade e também sob o aspecto hídrico. Esses campos de altitude são formados por vegetação herbácea em áreas de maior altitude que, na maioria das vezes, estão associadas também com formação de turfeiras, são vinculadas diretamente à manutenção de nascentes de grandes bacias hidrográficas. Então esses campos de altitude funcionam mais ou menos como, fazendo uma analogia, uma grande caixa d'água da Mata Atlântica. As turfeiras armazenando essa água que mantém a regularidade das nascentes de grandes bacias hidrográficas, e também, na maioria das vezes, funcionando como áreas excepcionais para a recarga de aquíferos. Então, sob um aspecto hídrico, é um contrassenso sem tamanho retirar a proteção”, ressalta.
Em relação à biodiversidade, o projeto é igualmente danoso. “São áreas de formação vegetal relictual, ou seja, elas representam uma flora mais antiga, de um período em que o clima era diferente, não era ainda tropical. Então, à medida que o clima foi se tornando mais quente e úmido nós formos observando o avanço dessas formações diversas de floresta, que caracteriza a Mata Atlântica. A gente associa muito a Mata Atlântica com essa exuberante floresta, mas esses espaços de maior altitude, onde a temperatura é mais baixa, o solo é mais raso, ali se manteve aquela vegetação antiga daquele clima seco e frio do passado. Em função disso, nós temos um nível de endemismo e de espécies raras nesses espaços extremamente elevado”, diz Medeiros. Ele reforça também o precedente perigoso que o projeto pode abrir. “A definição do que faz parte de um bioma deve ser técnica, e não política, delegada ao IBGE e aprovada pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente.”