Artigo de Mario Mantovani*, originalmente publicado na Revista Opiniões - Seja qual for o tamanho ou setor de atuação de uma empresa, a incorporação da sustentabilidade em sua gestão é um fato. Para poucas, já é uma prática. Para a maioria, ainda um desafio.
Em março deste ano, a Fundação Dom Cabral publicou uma pesquisa sobre o tema. Foram ouvidos 602 profissionais de mais de 400 empresas de todos os setores e regiões do Brasil. A proposta era observar como as organizações estão comprometidas com a sustentabilidade, tema no qual se incluem, e se destacam, as questões ambientais. O levantamento apontou que essas companhias já têm a sustentabilidade na estratégia, mas falta para boa parte delas aplicá-la no dia a dia – definirem metas e políticas específicas, conduzirem a agenda com as lideranças e investirem em educação para o tema. Ou seja, faltam investimentos para que a sustentabilidade seja uma realidade nos setores produtivos do país, incluindo-se aqui o setor florestal brasileiro.
Para termos um exemplo, 55% da madeira serrada consumida no mercado interno brasileiro, cerca de 14 milhões de m3, ainda é originária de florestas nativas, como observou Vanderley Porfírio-da-Silva, pesquisador da Embrapa Florestas, em artigo publicado na 35ª edição dessa revista.
Outro exemplo: o Estado de São Paulo é o maior consumidor de madeira do país, utilizando o produto principalmente na indústria moveleira e na construção civil. Para fomentar ações em favor do comércio responsável de madeira, a Secretaria do Meio Ambiente (SMA) criou o CADMADEIRA – Cadastro Estadual das Pessoas Jurídicas que comercializam, no Estado, produtos e subprodutos de origem nativa da flora brasileira (Decreto Estadual nº 53.047/2008). O principal objetivo do cadastro é permitir aos consumidores e ao setor público identificar no mercado as empresas que comercializam o produto de forma sustentável. Segundo Andreia Brito de Maceno, especialista ambiental da SMA, em depoimento no seminário “Programa Madeira é Legal”, realizado na cidade de São Paulo em outubro de 2013, “só 9% das madeiras que circulam no Estado são de empresas do CADMADEIRA“, o que indica o nível de informalidade desse setor, que ainda inclui, entre outros, a produção de celulose e carvão.
Nessa matemática da ilegalidade, os grandes prejudicados ainda são os remanescentes de florestas nativas brasileiras. Destaque aqui para a Mata Atlântica, um dos biomas mais ricos do planeta e a floresta mais ameaçada do país. Hoje, restam 8,5% de remanescentes florestais acima de 100 hectares do que existia originalmente. Somados todos os fragmentos de floresta nativa acima de 3 hectares, temos 12,5%.
Há 28 anos, a Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) monitoram, por meio do “Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica”, as áreas do bioma, que ocorre em 17 Estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí. Nessas regiões, vivem cerca de 118 milhões de pessoas – 69% da população brasileira, que dependem da Mata Atlântica para a disponibilidade de serviços ambientais vitais, como a regulação do clima, a produção e o abastecimento da água e a qualidade do ar.
Durante esses anos, o estudo diagnosticou o desmatamento de mais de 1,8 milhões de hectares (ha) de vegetação, ou 18.500 km2, área equivalente a 14 cidades do Rio de Janeiro.
Com a regulamentação da Lei da Mata Atlântica, em 2006, o ritmo de desmatamento caiu nos últimos anos, mas a situação do bioma é crítica. O levantamento mais recente do Atlas, referente ao período 2012-2013, cujos dados foram divulgados no último 27 de maio, Dia da Mata Atlântica, apontou o desmatamento de 23.948 hectares (ha), ou 239 Km², um aumento de 9% em relação ao período anterior (2011-2012).
A taxa anual de desmatamento é a maior desde 2008, cujo registro foi de 34.313 ha. Dados que nos levam à constatação de que o desmatamento continua a avançar sobre as já tão fragilizadas áreas de Mata Atlântica.
A situação é mais preocupante em Minas Gerais (8.437 ha de áreas destruídas), Piauí (6.633 ha), Bahia (4.777 ha) e Paraná (2.126 ha), que juntos foram responsáveis por 92% do total dos desflorestamentos. Em Minas, que lidera o ranking pelo quinto ano consecutivo, a supressão da floresta nativa ocorreu para obtenção de carvão e posterior substituição por eucalipto.
A situação impõe um alerta sobre a necessidade de se proteger os recursos ambientais por meio do cumprimento da legislação ambiental vigente, além da criação, implantação e regularização de áreas protegidas, também previstas em lei.
Do que sobrou da Mata Atlântica, cerca de 80% pertencem a proprietários particulares, que precisam ser envolvidos na causa, orientados sobre a legislação ambiental e fiscalizados, para que assim compreendam o seu importante papel na conservação.
O novo Código Florestal (Lei 12.651 de 2012), que já completa dois anos, pode promover a regularização de 5,2 milhões de imóveis rurais por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e efetivar a recuperação de áreas degradadas no país.
Apesar de retrocessos, como a anistia a desmatadores e a redução das áreas de preservação permanente do entorno de rios e nascentes, há na atual Lei Florestal instrumentos positivos, como o CAR e o PRA (Plano de Recuperação Ambiental), que precisam ser tirados do papel e implementados, necessidade que motivou organizações civis a lançarem a campanha “Cumpra-se”.
Desde então, encontros técnicos, seminários e fóruns têm sido promovidos em várias regiões do país com o objetivo de implantar o CAR e, a partir desse grande cadastro, criar condições reais para minimizar conflitos fundiários e regularizar a gestão da terra, compatibilizando-a com a conservação ambiental. Não há, por exemplo, como garantir a origem dos produtos do campo sem a regularização ambiental.
No último dia 5 de maio, foi publicado o decreto da Presidência da República que regulamenta o Código Florestal. Agora, proprietários rurais têm o prazo de um ano para cadastrar as terras e iniciar o processo em caso de danos em áreas de Preservação Permanente (APP), de Reserva Legal e de uso restrito.
O fato é que, para que a sustentabilidade aconteça na produção florestal, é necessário, antes de tudo, que o setor regularize-se em sua plenitude e que produtores, sejam eles familiares ou grandes corporações, atendam à lei.
Há muito, o agronegócio entendeu o seu papel na economia do Brasil. Em 2013, o setor representou 23% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. O país é o primeiro produtor mundial de café, açúcar e laranja; o primeiro exportador mundial de carne bovina e aves. É também o segundo produtor mundial de soja e o terceiro em celulose. Falta agora compreender sua responsabilidade socioambiental. Assim, o país poderá escrever sua história por um novo caminho, no qual o desenvolvimento e a conservação andem lado a lado, de forma sustentável.
*Mario Mantovani é diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica