Tietê segue vulnerável apesar de redução da mancha de poluição

18 de September de 2025

Só um ponto analisado pela SOS Mata Atlântica apresentou água de condição boa no ano; maioria permanece regular, ruim ou péssima

No sábado, 20 de setembro, às vésperas do Dia do Rio Tietê, Fundação realiza remada simbólica no rio, incluindo regata competitiva

Na mais recente edição do estudo Observando o Tietê, lançado às vésperas do Dia do Rio Tietê, em 22 de setembro, a Fundação SOS Mata Atlântica aponta resultados ainda preocupantes para a qualidade do maior rio paulista. 

Embora a extensão de água imprópria para usos múltiplos (a “mancha de poluição”) tenha diminuído de 207 km em 2024 para 174 km em 2025, numa redução de 15,9%, o número de pontos monitorados classificados como de boa qualidade teve uma redução significativa. Caíram de três para apenas um (1,8%), enquanto a maioria se manteve entre as categorias regular (61,8%), ruim (27,3%) ou péssima (9,1%). Mais uma vez, não houve pontos classificados como ótimos.

Os dados revelam que a bacia do Tietê viveu um ciclo de recuperação entre 2016 e 2021, quando a qualidade regular e boa da água aumentou e a mancha de poluição no rio principal chegou ao menor patamar recente, com 85 km. A partir de 2022, no entanto, essa trajetória positiva se inverteu: a mancha voltou a crescer, atingindo o pico de 207 km em 2024, enquanto os trechos de água boa encolheram. 

“Agora, como vemos, há uma redução da mancha para 174 km, mas acompanhada da menor extensão de água boa da série. Além disso, quando olhamos para a série histórica, percebemos que a piora em 2024 não foi um ponto isolado, mas o agravamento de uma tendência de retrocesso iniciada em 2022. Ou seja, apesar de oscilações anuais, a qualidade do Tietê permanece altamente vulnerável e não há sinais consistentes de recuperação duradoura”, afirma Gustavo Veronesi, coordenador do projeto Observando os Rios na SOS Mata Atlântica.

Cesar Pegoraro e Gustavo Veronesi, da SOS Mata Atlântica, fazem análise de IQA na nascente do Tietê. Foto: Léo Barrilari

Com 1,1 mil quilômetros da nascente à foz, o Tietê atravessa o estado de São Paulo de leste a oeste e corta áreas urbanas, industriais, de geração de energia hidrelétrica e de produção agropecuária. É dividido em seis unidades de gerenciamento de recursos hídricos (UGRHs), também chamadas de bacias hidrográficas. A bacia do rio Tietê abrange 265 municípios, num total de mais de 9 milhões de hectares – 79% inseridos no bioma Mata Atlântica.

O relatório, elaborado no âmbito do projeto Observando os Rios, contou com a participação de 46 grupos de voluntários em 24 municípios, com apoio de universidades e da equipe técnica da Fundação. No total, foram analisados 55 pontos em 41 rios da bacia do Tietê, com base no Índice de Qualidade da Água (IQA) – indicador que considera parâmetros físicos, químicos e biológicos (como oxigênio dissolvido, coliformes fecais, turbidez, fosfato, nitrato), além de pH, e classifica a água em cinco categorias (ótima, boa, regular, ruim ou péssima).

Já os dados utilizados para mensurar a evolução da mancha de poluição sobre o rio Tietê foram extraídos da média dos indicadores obtidos nessas análises e combinados a informações oficiais da CETESB, a fim de complementar trechos onde não há grupos de monitoramento.

Perda significativa de água de boa qualidade

No trecho entre a nascente, em Salesópolis, e Barra Bonita – que corresponde aos primeiros 576 km do rio Tietê –, o relatório aponta que 120 km apresentaram qualidade ruim (contra 131 km em 2024) e outros 54 km foram classificados como péssimos (eram 76 km no ano anterior). A água de boa qualidade se restringiu a apenas 34 km, entre Salesópolis e Biritiba Mirim, redução de mais de 70% em relação aos 119 km registrados em 2024, enquanto a condição regular avançou para 368 km, frente a 250 km no ano passado. 

Embora o predomínio da condição regular represente um avanço em relação a cenários anteriores, essa classificação ainda impõe restrições aos usos múltiplos da água e evidencia a elevada vulnerabilidade do rio. 

“A qualidade permanece altamente suscetível a variações climáticas, descargas e remanescentes de esgoto tratados e não tratados, operações de barragens, efeitos de eventos extremos e acidentes ambientais, o que reforça a necessidade de vigilância contínua e a urgência de ações estruturais de despoluição”, explica Veronesi.

A vulnerabilidade do rio fica ainda mais evidente diante de pressões adicionais, como a redução significativa das chuvas nos últimos anos (de 2.050 mm em 2010 para 1.072 mm em 2024), que compromete a diluição de poluentes. Somam-se a isso incidentes graves, como o rompimento de um interceptor de esgoto na Marginal Tietê, em julho, e despejos irregulares no Pinheiros e no próprio Tietê, em junho e agosto, que anularam parte dos avanços recentes.

Trecho do rio entre Guarulhos e São Paulo, onde a mancha se intensifica. Foto: Léo Barrilari.

Governança, mobilização e ciência cidadã

O Projeto Tietê, iniciado há três décadas pelo Governo do Estado de São Paulo, a partir da mobilização popular, tornou-se um marco na luta por rios limpos e continua a exigir continuidade, aceleração e transparência. Hoje, rebatizado de Integra Tietê, enfrenta um cenário mais complexo, com a privatização da Sabesp e a necessidade de ampliar a capacidade regulatória do Estado.

Nesse processo, a governança participativa é apontada como condição indispensável. OOs Comitês de Bacias Hidrográficas que abrangem a área do estudo Observando o Tietê – especialmente os do Alto Tietê, dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) e da unidade Sorocaba-Médio Tietê – devem assumir um papel mais ativo. A responsabilidade é coletiva: poder público, agricultores, empresas e concessionárias de saneamento devem ser cobrados para que a qualidade da água melhore de forma progressiva e contínua.

“Não basta ampliar a coleta e o tratamento de esgoto. Para que o Tietê avance de forma consistente, é fundamental adotar planos integrados de gestão da bacia, capazes de articular saneamento básico, uso do solo, proteção e restauração da Mata Atlântica e fortalecer os instrumentos de governança hídrica e adaptação às mudanças climáticas”, afirma Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica. Nesse caminho, ganham peso as chamadas soluções baseadas na natureza: criação de parques lineares, recuperação de nascentes, recomposição de matas ciliares, proteção das corredeiras, além de infraestrutura verde e descentralização do tratamento de esgoto.

“Rios limpos são uma conquista coletiva. É preciso um pacto entre governos, empresas e cidadãos para que o Tietê volte a ser símbolo de vida, cultura e pertencimento”, completa a diretora.

É nesse sentido que o projeto Observando os Rios atua como ferramenta de mobilização e ciência cidadã: transforma dados coletados por voluntários em pressão social, educação ambiental e subsídios para políticas públicas. Em 2025, remadas e mutirões ajudaram a aproximar a população do tema, enquanto a Expedição Tietê, realizada em parceria com universidades, percorreu todo o rio para investigar a presença de microplásticos, pesticidas, fármacos e organismos microbiológicos – e terá seus resultados divulgados em 2026.

Equipe da expedição pelo Tietê na foz do rio, em Itapura, na divisa com o Mato Grosso do Sul. Foto: Léo Barrilari.

O Observando o Tietê conta com patrocínio da Ypê. O apoio é da Fundação Sol de Janeiro, Grupo CMA CGM e Grupo HEINEKEN Brasil. O relatório completo estará disponível aqui.

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