Durante entrevista coletiva realizada nesta semana, em Minas Gerais, representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA), da Frente Parlamentar Ambientalista (FPA), da Fundação SOS Mata Atlântica e do Projeto Manuelzão destacaram a importância da transparência e acesso à informação durante as investigações das causas da tragédia de Brumadinho e o risco de usar a máxima “meio ambiente é entrave ao desenvolvimento“ como justificativa para flexibilização de leis ambientais.
Assista a coletiva na íntegra
Na ocasião, a promotora de justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Andressa Lanchotti, do apoio operacional de meio ambiente, destacou as medidas do órgão para verificação do ocorrido e reparação dos danos ambientais, além da busca por informações para para as famílias. Segundo ela, o MPMG está atuando em várias frentes, como as diversas ações judiciais já tomadas, mas, no momento, a prioridade é saber as causas deste acontecimento e responsabilizar os culpados de maneira exemplar.
O que a promotora destacou foi o motivo pelo qual desastres como Mariana e Brumadinho acontecem. Para ela, a razão vem da deficiência do sistema de gestão ambiental, do planejamento e da fiscalização. Além disso, a regulação do setor de mineração e da disposição de seus rejeitos é outro ponto falho, tanto que foi motivo de projeto de Lei (Nº 3695/2016), que teve mais de 56 mil assinaturas, mas não foi aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Este projeto traria um marco regulatório mais efetivo para o licenciamento das barragens e sua fiscalização. Ele vetaria barragens a montante – como esta de Brumadinho, entre outras que a empresa Vale anunciou esta semana o fim do uso – pois já era sabido como este método está relacionado aos maiores desastres envolvendo barragens no Brasil e no mundo. A Lei também exigiria a adoção de novas tecnologias já disponíveis.
“Hoje não é preciso fazer mais barragens de mineração, se presentes tecnologias mais seguras, como a seco. Mas, o que impede isso? Elas são mais caras. Mais uma vez o fator econômico impedindo o desenvolvimento da legislação e a regulação ambiental. Várias questões podem ser solucionadas por meio de um marco regulatório mais moderno e melhor, tanto no licenciamento ambiental quando nas barragens especificamente“, afirmou ela.
Ainda segundo a promotora, o MPMG também quer aprender com os erros de Mariana, pois a justiça para ser efetiva precisa ser célere, e que todas as medidas sejam ágeis para reparação socioeconômica das vítimas. “Entre as ações, por exemplo, está fora de cogitação a criação de uma Fundação, como aconteceu em Mariana. Queremos que a empresa arque com todos os recursos. Qualquer diálogo será a partir disso“, destacou ela.
Para Luis Fernando Cabral Barreto Junior, promotor de Justiça e presidente da Abrampa, é importante que a sociedade olhe para todas as barragens do Brasil, muitas ainda sob risco. Segundo ele, cada membro do Ministério Público do Brasil analisará as barragens nacionalmente, pois várias tragédias podem acontecer.
“Em nome das pessoas que estão sob risco, peço licença para as famílias de Brumadinho, mas precisamos alertar a sociedade brasileira para o risco do desmonte do licenciamento ambiental. Quando isso acontece, acabamos fazendo o que estamos aqui, reparando danos, mas que muitas vezes são irreparáveis e inestimáveis. Isso acontece todo dia no Brasil“, afirmou ele.
Ele ainda chama a atenção à importância de termos um licenciamento estruturado, com órgãos ambientais preparados, com responsabilidades definidas, fiscalização eficiente com a presença do Estado, bem como transparência ambiental. “Não há sociedade justa sem transparência. Portanto, não é possível garantir a segurança jurídica só com papel, mas com precaução e prevenção. Se não teremos que trabalhar para reparar danos, mas que são irereparáveis. Não é possível que nós tenhamos melhorado a questão ambiental brasileira, flexibilizando as normas. Com menos licenciamento não temos mais segurança. A prova, infelizmente, está na nossa face“, finalizou ele.
Meio Ambiente, desenvolvimento e a vida das pessoas
Entre os principais assuntos debatidos após a tragédia de Brumadinho, está a relação entre meio ambiente e desenvolvimento e o impacto do equilíbrio ou não destes fatores na vida das pessoas. Para Marcus Polignano, professor da faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do projeto Manuelzão, as vidas perdidas não podem ser esquecidas.
“A impunidade, a ganância e o lucro justificaram os riscos desta tragédia. Ou mudamos nossa prioridade ou perderemos mais vidas. Não podemos nos conformar com os números. As pessoas vão aparecer, seus nomes, suas vidas e suas histórias. Estou traumatizado. Agora, precisamos olhar aos próximos integrantes da Assembleia Legislativa. Eles vão fazer alguma coisa?“, cobrou ele.
Para o deputado federal e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, Alessandro Molon, a preocupação dos parlamentares sobre as questões ambientais é outro cuidado a ser ter nos próximos anos.
“Espero que o Congresso jamais fale de novo sobre flexibilização de licenciamento ambiental. Infelizmente, se não fosse essa tragédia, veríamos na próxima legislatura mais gente dizendo que proteger meio ambiente é atrapalhar o desenvolvimento. Que essa tragédia deixe essas pessoas com um pouco de vergonha, pelo menos por um tempo. É fundamental que o governo federal entenda que defender o meio ambiente é proteger a vida”, diz ele.
Até o momento, as autoridades têm tratado o impacto ambiental como algo menor que do desastre em Mariana. Para Malu Ribeiro, especialista em Água da Fundação SOS Mata Atlântica, ainda não é possível ter essa certeza. “É difícil dizer que o impacto ao ambiente é menor que em Mariana. Perdemos nascentes, o rejeito altera as características naturais e, quando houver chuva, vai rio abaixo”, disse ela. Para a especialista, a composição da lama é parecida com a de Mariana e o fato de estar compactado e não ter descido, como no outro episódio, faz com que a concentração de poluentes seja maior. “Mesmo ficando acumulado no reservatório, o impacto ambiental demora décadas a se recuperar“.
Para ter uma melhor noção deste impacto, a Fundação SOS Mata Atlântica realizará a partir desta quarta-feira (30), uma expedição no rio Paraopeba para verificar o alcance de mais este mar de lama. A organização irá percorrer aproximadamente 356 km até o encontro do Paraopeba com o rio São Francisco.
“Esses dados servirão para que a sociedade tenha um retrato de como o ambiente está se comportando e de que forma os usuários da água, como ribeirinhos, pescadores, indígenas, entre outros deverão se comportar daqui pra frente“, finalizou Malu.
Veja aqui como vai funcionar a expedição
A Fundação SOS Mata Atlântica continuará acompanhando as informações diretamente de Brumadinho e atualizará diariamente a situação do rio Paraopeba a partir de sua expedição.