Apoie nossas
causas
Se mantenha informado de nossas ações
27 de February de 2024
Francisco d'Albertas, doutor em Ecologia pela USP,
Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica e
Jean-Paul Metzger, professor do departamento de Ecologia da USP para o Valor Econômico publicado em 27/03/2024
O senso comum gosta de afirmar que agronegócio e conservação ambiental são atividades incompatíveis, ideia resumida na percepção equivocada de que “o meio ambiente emperra o desenvolvimento econômico” ou "o desenvolvimento é inimigo do meio ambiente". Essa visão dualista não poderia estar mais distante da realidade e, mais ainda, do caminho necessário para o nosso futuro. Evidências crescentes demonstram que economia e esforços de conservação podem coexistir de maneira benéfica. Conciliar produção agrícola e ambientalismo não é só possível como vital para o enfrentamento dos desafios que temos pela frente.
A Década da Restauração de Ecossistemas, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o período de 2021 a 2030, chama atenção à importância do reflorestamento de vegetação nativa. O Brasil, devido à vasta cobertura florestal e alta taxa de desmatamento, desempenha um papel central nessa missão, especialmente no que diz respeito à Mata Atlântica. Em 2022, durante a COP15, a Conferência de Biodiversidade da ONU, o bioma foi reconhecido como prioritário para a restauração florestal no mundo devido à sua capacidade de mitigar as mudanças climáticas e de preservar a biodiversidade e os recursos hídricos. No entanto, esse potencial muitas vezes encontra um obstáculo significativo nos custos associados ao plantio de árvores e à perda de áreas agrícolas ou de pastagem.
A verdade é que, como sabemos há muito tempo, a restauração florestal pode, sim, ser financeiramente viável por meio de estratégias que agreguem valor à natureza, gerando benefícios econômicos de longo prazo. Uma delas são os serviços ecossistêmicos, pelos quais as florestas oferecem uma variedade de benefícios valiosos – como regulação climática, purificação da água, polinização e habitat para a biodiversidade. Identificar e promover esses recursos pode gerar receitas e impulsionar diferentes setores da economia.
Um novo estudo conduzido em áreas de cafeicultura na Mata Atlântica, intitulado Yield increases mediated by pollination and carbon payments can offset restoration costs in coffee landscapes (“Aumentos na produção, mediados pela polinização e pagamentos de carbono, podem compensar os custos de restauração em paisagens de café”), que publicamos recentemente na revista científica norte-americana One Earth, revelou na prática como a restauração florestal pode ser compatível com o agronegócio. Ao lado de Gerd Sparovek, coordenador do Geolab (Esalq-USP), e Camila Hohlenwerger, doutora em Ecologia pela USP, demonstramos que a intensificação dos serviços ecossistêmicos estimulada pelo reflorestamento, principalmente no que diz respeito à polinização, resulta em aumento na produção de café – compensando, dessa forma, os custos relacionados à restauração.
O estudo analisou cenários variados, estabelecendo um limiar de aproximadamente 25% de cobertura florestal nas fazendas de café como ponto de equilíbrio para que, ao longo de 20 anos, os custos de restauração possam ser compensados pelos benefícios dos serviços ecossistêmicos relacionados à intensificação da produção. Em outras palavras, ao impulsionar os rendimentos das colheitas e combinando ganhos provenientes do sequestro de carbono, a restauração florestal se torna uma estratégia economicamente eficaz em paisagens agrícolas. Dessa forma, em vez de ser visto como um inimigo da produção e do lucro, o reflorestamento deve ser reconhecido como uma estratégia de investimento de longo prazo.
Essa constatação pode se tornar uma ferramenta valiosa para os formuladores de políticas públicas, proporcionando a adoção ampla do reflorestamento em paisagens agrícolas. No contexto brasileiro, em que a legislação ambiental já prevê a restauração e a conservação da vegetação nativa em propriedades rurais, será ainda um estímulo adicional para o cumprimento efetivo da lei, abrindo portas a um cenário propício para abordagens integradas e sustentáveis na gestão do uso da terra. Os ganhos da restauração são triplos: intensificação e aumento da produtividade, adequação ambiental e cumprimento da legislação brasileira.
É evidente que para tornar a restauração florestal viável e atrativa para os agricultores é necessário também levar em conta incentivos como mercados de carbono e financiamento diversificado. Além disso, é essencial agregar outros serviços ecossistêmicos, como melhoria do solo e fornecimento de água, que podem aumentar os rendimentos agrícolas, especialmente para o café. A adoção de práticas de agrofloresta, que misturam florestas e plantações, também pode diluir os custos de restauração. Um esquema misto, como a combinação de árvores de eucalipto e espécies nativas, é opção viável para reduzir as despesas.
O mais importante é que está evidente que o reflorestamento é positivo para toda a sociedade e todos os setores econômicos. Devemos lembrar que, para cumprir os compromissos pelo Acordo de Paris, o Brasil precisa eliminar completamente o desmatamento e restaurar em grande escala. No que se refere à Mata Atlântica, a meta estabelecida pelo Pacto pela Restauração do Bioma são 15 milhões de hectares de florestas naturais até 2030 – ambição que só poderá ser concretizada com o apoio do agronegócio. Agora, temos cada vez mais chances de chegar lá.
Por fim, vale ressaltar que esse é um estudo de caso ilustrativo, que pode ser expandido para outras regiões do Brasil e do mundo. Se funciona com o café e na Mata Atlântica, pode – e vai – funcionar com outras culturas em biomas distintos. O futuro, temos certeza, vem da união entre produção e preservação.
Foto: Juan Ribeiro.