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07 de November de 2024
Há mais de dez anos em tramitação, PL 6969/13 institui gestão integrada para equilibrar conservação ambiental e economia nos ecossistemas costeiros e marinhos
Marcia Hirota e Roberto Klabin* para o Valor Econômico
Mais do que ter dado origem à vida, o oceano é nossa garantia de futuro. Com 71% da superfície do planeta coberta por água, os mares fornecem também alimento, energia e diversas matérias-primas essenciais à sobrevivência de milhões de espécies – entre elas a nossa –, além de proverem bem-estar, qualidade de vida e outros benefícios imateriais. Diante disso, em seus mais de 8 mil quilômetros de litoral, o Brasil tem uma grande responsabilidade na conservação e uso sustentável do sistema costeiro-marinho. O país precisa, portanto, se tornar uma liderança global na defesa do oceano.
Com o PL 6969/13, que institui a Política Nacional para a Gestão Integrada, Conservação e Uso Sustentável do Sistema Costeiro-Marinho Brasileiro, temos a chance de assumir esse protagonismo. Porém, após mais de uma década de tramitação, a chamada Lei do Mar ainda enfrenta um tsunami de desinformação, mitos e temores que seguem impedindo sua aprovação – sendo ainda negligenciada diante de muitas outras pautas. O meio ambiente parece só ganhar atenção do Congresso Nacional em datas comemorativas ou em emergências, mas é necessária uma abordagem ativa e antecipatória que nos prepare para as mudanças que estão por vir.
Tão diversas quanto o próprio Brasil, nossas costas abrigam manguezais, recifes de coral, estuários, costões rochosos, dunas e restingas. São ecossistemas que oferecem proteção natural aos eventos climáticos extremos, sustentam a biodiversidade e são essenciais para atividades econômicas, como pesca e turismo, e para os modos de vida de mais de 4 milhões de famílias que dependem dos recursos marinhos. No entanto, estão sob ameaça constante devido à ocupação desordenada, à poluição, ao desmatamento e ao avanço da exploração predatória.
A crise climática agrava ainda mais esses problemas, colocando em risco tanto o meio ambiente quanto os 111,28 milhões de pessoas – mais da metade da população do país – que vivem no litoral brasileiro, segundo os dados do último censo do IBGE.
Ao mesmo tempo, a atual legislação brasileira é fragmentada e, com isso, muitas vezes resulta em sobreposição ou falta de integração entre planos e políticas. Elaborada para corrigir essas falhas, a Lei do Mar estabelece uma gestão coordenada que protege tanto os ecossistemas quanto os modos de vida de quem deles dependem, além de garantir um desenvolvimento econômico justo e sustentável. Um de seus aspectos mais inovadores é o Planejamento Espacial Marinho (PEM), que organiza as atividades humanas no mar para equilibrar desenvolvimento econômico e preservação. O PEM aloca de maneira eficiente o uso do espaço marítimo, identificando áreas mais apropriadas tanto para atividades como pesca, exploração de petróleo e turismo quanto para a conservação. Já adotada com sucesso em países como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, essa abordagem reduz impactos e conflitos.
A atual redação do PL 6969/13 dá outro passo importante ao reconhecer os direitos das comunidades tradicionais, como pescadores artesanais e extrativistas, que dependem do mar para sua subsistência e cultura. Essas populações, frequentemente negligenciadas no desenvolvimento costeiro, enfrentam pressões decorrentes da degradação ambiental, que acarreta a escassez de recursos e o aumento da insegurança alimentar. Para mudar isso, a Lei do Mar prevê a criação do Fundo Mar, que, vinculado ao Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), vai oferecer suporte à proteção de seus territórios e incentivar práticas viáveis que respeitem tanto a natureza quanto as tradições. As comunidades terão voz ativa nessa gestão.
Um ponto sempre sensível é a pesca, atividade central na economia marinha brasileira. Embora o capítulo específico sobre o tema tenha sido removido da versão mais recente, o PL ainda enfrenta críticas de setores que temem insegurança jurídica e aumento de custos com sua implementação. A proposta, contudo, busca justamente o oposto. Por meio de um debate transparente, fundamentado em evidências e no diálogo entre todas as partes envolvidas, o objetivo é regulamentar práticas pesqueiras responsáveis e proteger áreas de reprodução, incluindo o uso de equipamentos que reduzam o desperdício de espécies capturadas e controlem a emissão de poluentes. Isso vai assegurar a viabilidade econômica da pesca a longo prazo e, ao mesmo tempo, incentivar o uso responsável dos recursos.
A Lei do Mar também se destaca por sua resposta aos desafios impostos pelas mudanças climáticas. Com os oceanos absorvendo mais de 25% das emissões globais de carbono, o aumento das temperaturas tem acelerado a acidificação das águas. Nesse contexto, o PL incorpora mecanismos para ampliar a resiliência das áreas costeiras.
Ao propor diretrizes claras, por meio do Planejamento Espacial Marinho, o PL estabelece uma base legal para o desenvolvimento responsável de tecnologias de energias renováveis, como a eólica off-shore e o hidrogênio verde, proporcionando que esses avanços ocorram sem comprometer a integridade ambiental. A legislação visa ainda certificar que as decisões sobre o uso do oceano sejam fundamentadas em evidências e no conhecimento científico e tradicional, o que garante o aumento da proteção do oceano por meio de áreas marinhas protegidas e amplia a participação da sociedade nas decisões.
O discurso sobre um pacto de paz com a biodiversidade é crescente, como acompanhamos na Conferência das Partes da Biodiversidade, em Cali, na Colômbia, mas precisa ser colocado em prática. A Lei do Mar oferece a oportunidade de o Brasil demonstrar que, para além das palavras, o compromisso de colocar o meio ambiente em prioridade é real e genuíno.
Com a crise climática se agravando a olhos vistos, a aprovação do PL 6969/13 se torna cada vez mais urgente. A nova versão, aperfeiçoada em diálogo com a sociedade civil, comunidades tradicionais e o setor produtivo, oferece os instrumentos que precisamos para que possamos proteger o oceano e usar seus bens naturais de forma sustentável.
O tempo está passando. O futuro dos nossos mares e das populações costeiras depende de uma ação rápida e eficaz. Aprovar a Lei do Mar significa preparar o Brasil para enfrentar os desafios globais e resguardar um dos nossos maiores patrimônios – a biodiversidade marinha e os modos de vida de vida que dela dependem.
O oceano nos deu a vida; agora, chegou a nossa vez de não deixá-lo morrer.
*Marcia Hirota e Roberto Klabin são, respectivamente, presidente e vice-presidente da Fundação SOS Mata Atlântica.