As emissões de gases de efeito estufa (GEE) de todos os setores do bioma Mata Atlântica (agricultura, mudança de uso da terra, tratamento de resíduos, energia e indústria) foram de 8,55 Gigatoneladas de CO
2 equivalentes (GtCO
2e, medida utilizada para comparar as emissões de vários gases de efeito estufa baseado no potencial de aquecimento global de cada um) entre 2000 e 2018. Apenas com as emissões de 2018, de 450 MtCO
2e, o bioma poderia ser considerado naquele ano o 18º país com maiores emissões no mundo, à frente do Reino Unido.
E foram emitidas 55 GtCO2e, resultado dos 115 milhões de hectares (ha) de florestas desmatadas, em 521 anos. Este valor é 20% maior do que o emitido pelo desmatamento da Amazônia. Os dados são do estudo realizado em parceria entre a Fundação SOS Mata Atlântica, o
Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e o
SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), iniciativa do Observatório do Clima. O estudo será apresentado nesta quarta (03/11) em evento paralelo na
Conferência do Clima de Glasgow (COP-26).
Por outro lado, apesar dos números alarmantes, o levantamento mostra que o setor de uso de terra na região – a maior fonte de emissão do bioma – pode se tornar neutro em emissões a partir de 2042, desde que o desmatamento zero seja alcançado em 2030, 15 milhões de hectares de floresta sejam restaurados e práticas de baixo carbono se tornem o padrão na produção agrícola e pecuária.
Segundo Luis Fernando Guedes Pinto, diretor de Conhecimento da SOS Mata Atlântica, essas metas são viáveis – dependendo de medidas de governança e da adoção de melhores práticas por tomadores de decisão dos setores públicos e privados. “As ações necessárias para atingirmos esse cenário combinam políticas de comando e controle e de incentivos conhecidas, mas que precisam ser plenamente implementadas ou aprimoradas, como o Código Florestal, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) e o Plano Safra, que, por sua vez, devem ser complementadas com vontade política internacional, nacional e subnacional, além de investimentos do setor privado. Não há barreiras tecnológicas para a sua implantação e já tivemos avanços nesse sentido nos últimos anos”, enumera.
Embora o bioma abrigue 72% da população e seja responsável por 80% do PIB nacional, as emissões
per capita e por unidade do PIB da Mata Atlântica foram de três a cinco vezes menores que as médias do Brasil entre 2000 e 2018, o que revela uma menor pegada de carbono e maior eficiência de emissões em relação à população e à economia do país. Além disso, a Mata Atlântica apresentou uma das menores taxas de crescimento das emissões quando comparada aos demais biomas (9%), com maior eficiência produtiva por emissão, especialmente da pecuária. Foi também o segundo bioma mais importante em relação às remoções de gases de efeito estufa da atmosfera – que dobraram no período, principalmente em função do aumento das remoções por regeneração da vegetação secundária (girando entre 10% e 15% das emissões brutas anuais).
Dessa forma, o estudo indica que o setor de uso de terra da Mata Atlântica tem potencial de diminuir as emissões totais do bioma em até 6,28 GtCO
2e entre 2005 e 2050 – valor maior que todas as emissões da Índia (3,346) e da Rússia (1,992) em 2018, respectivamente terceiro e o quarto maiores emissores do planeta.
“O bioma Mata Atlântica vem apresentando uma das menores taxas de crescimento das emissões de gases de efeito estufa nos últimos 19 anos em relação aos demais biomas”, afirma Renata Potenza, Coordenadora de Projetos da Iniciativa Clima e Cadeias Agropecuárias no Imaflora. Segundo ela, um dos motivos para isso pode estar relacionado a um grande aumento da produtividade da atividade de pecuária, ou seja, o bioma vem produzindo mais carne sem aumentar o número de cabeças de bovinos.
“Esse aumento da produtividade, aliado à implementação de técnicas de agricultura de baixo carbono, como é o caso de recuperação de pastagens degradadas, implementação de modelos de Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF) e aumento de lavouras sob sistemas de plantio direto pode contribuir para que a Mata Atlântica reverta sua trajetória e demonstre seu grande potencial em se ter uma agropecuária sustentável e resiliente aos impactos já sentidos pela emergência climática. Mas, para isso, é necessário haver investimento, agilidade e maior escala nessas tecnologias de baixo carbono no campo”, explica.
O estudo aponta caminhos que devem ser priorizados para um bioma neutro em todos os setores de emissão: substituição do uso de combustíveis fósseis por renováveis no transporte nas metrópoles, tratamento de resíduos (esgoto e lixo) nas cidades associado à recuperação do metano e geração de energia a partir de sua combustão; o combate ao desmatamento (em especial nos estados de MG, BA, PR, SC e MS, que concentram 91% do total no bioma); adoção da agricultura de baixo carbono com a recuperação de pastagens e solos degradados, pecuária mais eficiente e fixação biológica do nitrogênio; e restauração florestal e criação de áreas protegidas.
“A análise comprova que a Mata Atlântica é um dos ecossistemas com maior prioridade para a restauração no mundo, considerando-se os benefícios para a conservação da biodiversidade, da água e o combate às mudanças climáticas”, afirma Tasso Azevedo, coordenador do SEEG. “As metas deste estudo podem ser incorporadas na próxima revisão da NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) brasileira, visando contribuir para o alcance do Acordo de Paris e de um país neutro em emissões em 2050”, completa.