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14 de December de 2020
Saiba mais sobre o mar brasileiro
Veja como a Fundação SOS Mata Atlântica atua pela conservação marinha
Veja abaixo a entrevista completa.
Professora, primeiramente, poderia contar para a gente um pouco da sua história? Principalmente o que a levou a trabalhar nesta área de oceanografia?
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Revista FAPESP: Em 1966 com a bióloga Junia Quitete, em curso no Navio Oceanográfico Alte. Saldanha, da Marinha
R.: Ter mente aberta. Há muito para se descobrir em qualquer espaço natural. O ambiente na faixa entre terra e mar ainda nos reserva muitos fatos desconhecidos. Você pode levar a sua vida inteira buscando novidades, descobrir certos segredos da natureza e não vai acabar.
Você pode sair em uma jangada com um pescador, por exemplo, e ver um infinito horizonte, ouvir o vento ou os pássaros. Tem para todo mundo, todo gosto e todo espaço de espírito. Só precisa estar com mente aberta.
Você descobre animais que vivem perto do mar, mas não são necessariamente de lá, podem passar parte da vida em manguezais. Um manguezal ainda tem outros segredos de cultura, de sincretismo religioso e uma arquitetura nas árvores diferente do que se vê dentro da Mata Atlântica.
Como explicar a conexão entre terra, floresta, costa e mar para as pessoas?
R.: Quando não existiam ecólogos os poetas explicavam bem esta conexão. Escritores como Camões, os poetas e poetisas, já faziam essa conexão. A ecologia veio depois para compreender e colocar a ciência nisso. Os ecólogos começaram a buscar elementos científicos para o que os poetas viam. Quando você destrincha cada estrofe de um poema, você desnuda ele, você entende essa ligação.
Nossos poetas no exílio, navegadores solitários, naturalistas europeus vindos às Terras Brasilis descreviam o íntimo contato dos indígenas com manguezais e estuários. É assim que interpreto esse tipo de conectividade supracognitivo.
Não citaria um único documento. Ao longo das minhas mais de 7 décadas de passagem por aqui são muitos os registros da conectividade entre terra emersa e meio aquático, seja ele doce, salobro ou salgado. Da lenda da Iara nos rios da Amazônia até os relatos de Alexandre, o Grande, ao descrever em 325 a.C. as árvores crescendo em água salgada no Indo-Pacífico.
Saiba mais sobre a conectividade entre floresta e mar
Poderia explicar para a gente o funcionamento dos principais ecossistemas marinhos que o Brasil
possui?
R.: Eu poderia resumir como o próprio IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) publicou em um trabalho feito a várias mãos e cabeças: é um Sistema Costeiro-Marinho. Todos os ecossistemas fazem parte da paisagem marinha, do mais raso até o mais profundo.
Na paisagem que ora está encoberta pela água, ora não e você consegue ver quando a maré abaixa, estão os manguezais. Também existem os recifes mais profundos e a plataforma continental. Neste sistema, não se pode impedir, por exemplo, que as larvas dos peixes passem por esses ambientes e vão formar cardumes adultos lá no mar, naquele azul profundo.
É tudo uma paisagem só. Um ambiente depende do outro para ter suas funções e, assim, também prestar os seus serviços gratuitamente, todos os benefícios que nós recebemos da natureza e não precisamos pagar, por enquanto.
Agora, se perturbarmos esses ambientes, vamos comprometê-los, perdê-los e teremos que pagar caro por uma alternativa, uma imitação, que nos entregue algo parecido com esse serviço que hoje é grátis.
Saiba mais sobre o Sistema Costeiro-Marinho
Saiba mais sobre as resoluções 302 e 303 ameaçadas pelo Governo Federal
A senhora já vê um movimento de empreendimentos querendo se valer destas decisões para construírem em áreas até então protegidas?
R.: Em Salvador, na Bahia, por exemplo, na praia do Forte. Um resort conseguiu autorização para fazer uma muralha com a subida do nível do mar. Queriam fazer o muro, estava proibido. E tem outras obras do tipo. Tem gente que vende imóveis e passa o problema para o novo proprietário.
O portal O Eco elaborou uma matéria sobre este caso. Entenda!
Mas quando a maré subir mesmo, o muro se vai. Em Olinda (PE), tem quarteirões inteiros derrubados, o mesmo no Espírito Santo. Tem problemas também em Iguape, em Ilha Comprida (litoral sul do Estado de São Paulo) e em outras regiões. A natureza é mais sábia e toma o espaço dela. É possível reverter os danos das mudanças climáticas? R.: Eu não vejo mais como reverter, pois o impacto vem de muitos anos. Existe sim uma mudança climática natural, que acontece há quatro milhões de anos. Porém, há uns 200 anos o homem começou a dar uma empurrada. No início ele não sabia, não foi por mal. Por exemplo, quando colocaram o distrito industrial em Cubatão. Ninguém fez isso por mal. Podem ter pensado que ali, estão perto do porto, que podem fabricar e importar facilmente. Essa era a ciência da época. Ninguém foi perverso. Mas, com o passar dos anos, as coisas vão somando ou subtraindo e agravando um processo natural de aquecimento. Este processo foi acelerado pelo comportamento humano com a emissão de gases do efeito estufa, queima de combustíveis, incêndios, a derrubada de matas, exposição de solos, carbono liberado, entre outros. O processo de intoxicação da natureza e da atmosfera recebeu uma ajuda do homem. Já ousamos falar em antropoceno. O homem passou a ser um agente modelador do planeta. Ele é tão potente que altera a composição da atmosfera.Veja nossa entrevista com o ecólogo e professor Jean Paul Metzger, que também menciona o Antropoceno
O homem deixou de ser um parceiro da fauna para ser um agente que prejudica o próprio ambiente do qual depende. Os sistemas de governo brasileiro com os tomadores de decisão possuem uma perspectiva de apenas quatro anos, o horizonte deles é colado no nariz, não se preocupam com o que que vai acontecer depois desses quatro anos. Poderia dar alguns exemplos práticos disso? R.: Os efeitos do El Niño acontecem, principalmente, no litoral. Porém, até o dinheiro para combater estes impactos chegar no litoral já foi um vasto caminho. As providências não são tomadas, pois o decisor está em outra bolha. Ele não sente o que este fenômeno causa na linha de costa. Em 1997, todo os diques que protegiam a Alemanha e Holanda haviam sido alterados em prevenção às mudanças climáticas por conta do aumento do nível do mar. Daqui a pouco vão ter que elevar o cais do porto de Santos, por exemplo. Tudo isso gerado por uma visão de curto prazo dos governantes. Como podemos frear os impactos das mudanças climáticas? R.: Enquanto não há perspectiva e iniciativa de se adequar a partir de novos aprendizados, não é possível. Precisamos tomar decisões à luz dos melhores conhecimentos. Por exemplo, não construir uma nova Cubatão, construir proteções do nível do mar mais efetivas, não deixar construir hotéis, resorts e casas em cima de restingas etc. Basta botar o horizonte um palmo adiante do nariz, não é muito. Estamos no século 21, em um país privilegiado em termos de universidades, cientistas e pescadores com conhecimentos impressionantes. Ver imobiliárias comandando um “sinistro” de meio ambiente para que ele faça esse tipo de coisa é um problema psicológico. Nosso problema é de psicose coletiva, de ganância, de desvio do que é essencial em respeito à vida.
Oceano?
R.: Não vejo a sociedade civil separada de academia e de políticos. Vejo cidadãos e isso dependerá de todos.
Temos uma categoria que é de políticos, mas não vamos esperar deles. A academia tem seu projeto, mas precisa prestar contas à sociedade e levar um objetivo comum.
O brasileiro tem amor e respeito à pátria e cada um de nós sabe, lá dentro, o sentido do porquê estamos aqui, que há um compromisso. Nós fazemos parte de uma população, um povo que habita um país que conta não só com quem nasceu aqui, mas com quem chegou até nós. E, nessa união, não tem espaço para renegar outras etnias, cores, origens, não há espaço.
O Brasil pode ser considerada uma potência mundial em relação aos acordos internacionais para a área marinha?
R.: O Brasil é tão maior. Ele já construiu tanta coisa. Temos tantos símbolos nacionais. Será que este hiato de quatro anos vai chegar a comprometer o bom nome do Brasil? Vão-se os anéis e ficam os dedos. Os nossos anéis podem ir nesses quatro anos, mas os dedos vão continuar conosco.
Para terminar, as pessoas procuram as praias como um lugar para descansar e se divertir, sem muita reflexão sobre o a importância desse ambiente para o nosso bem-estar diário, os serviços ecossistêmicos. Como sensibilizá-las para refletirem sobre isso e agirem para a conservação ambiental?
R.: Eu falaria de cultura, de quantas manifestações culturais temos, também com muita influência africana, mesmo que não saibamos. No réveillon, por exemplo, por que vamos para o mar pular sete ondas? Isso é uma manifestação cultural de um sincretismo religioso.
Essa área marinha costeira brasileira tem um significado cultural muito grande. Com a elevação do nível do mar e erosão costeira, quando tivermos que compartilhar cimentos, tijolos, tudo quebrado, será que o prazer vai ser o mesmo?
Educacionalmente, precisamos mostrar a importância de cada um desses nossos guardiões do litoral. A natureza nos premiou e tudo que é bonito, é belo, tem um significado de existir. Não queira ser você o último a apreciar a beleza. Pense no seu filho, no seu neto, que também merecem ver toda essa beleza.